Para onde irá o Egito após as eleições?

Nos próximos dias 26 e 27 de maio ocorrerão eleições presidenciais na República Árabe do Egito, o maior país árabe entre os 23 que existem, com 86 milhões de eleitores. As primeiras eleições ocorreram em 2012, mas o presidente eleito, Mohamed Mursi governou um ano e foi destituído em 3 de julho do ano passado. Agora, 10 meses depois, novas eleições ocorrem. Pela importância que tem o país, trato desse assunto esta semana.

Três dias antes da queda do ex-presidente Mursi – que encontra-se preso e seu Partido, chamado da Liberdade e da Justiça, vinculado à Irmandade Muçulmana encontra-se na ilegalidade – no dia 30 de junho, os militares haviam exigido a renúncia do presidente. Mas, a sua queda nunca esteve vinculada ao golpe militar como a maioria da imprensa caracteriza. Uma união impressionante da sociedade egípcia jamais vista se formou para pedir a saída do mais impopular dirigente que o país já teve em sua história. Além do que – atestado por satélites – estimadas 30 milhões de pessoas saíram às ruas.

Bem, mas tudo isso já faz parte da história. Cabe agora fornecermos algumas informações sobre essas eleições e tentar arriscar alguns desdobramentos, inquietudes, dúvidas. Em 2012 haviam 13 candidatos presidenciais que disputaram o voto de 51 milhões de eleitores registrados. Mas, como lá o voto não é obrigatório, no primeiro turno votaram 23 milhões apenas e no segundo 26 milhões, ou seja, uma abstenção altíssima, da casa de 50%. As estimativas são que nestas eleições esse índice possa se manter, ainda que alguns analistas também digam que diminuirá.

Os dois candidatos

Para surpresa da maioria, apesar do país ter 45 partido políticos aptos a concorrerem às eleições, apenas dois candidatos se inscreveram. A lei eleitoral exige que a candidatura seja proposta com a assinatura de 25 mil eleitores apenas.

Há uma particularidade no sistema eleitoral egípcio, da qual no Brasil isso seria impensável. Os candidatos podem disputar as eleições sem pertencer a um determinado partido político. São chamados de independentes. Nestas eleições, ambos os candidatos que disputam as eleições são independentes.

O mais forte concorrente é Abdel Fatah Al Sisi, ministro da Defesa, marechal de 60 anos, mas que nunca participou de nenhuma guerra. Se considera um admirador de Nasser, presidente do país falecido em 1970. O símbolo de sua campanha é uma estrela e seu lema é “Viva o Egito!”. É apoiado por nada menos que 27 partidos, duas grandes organizações sindicais nacionais, por três grupos religiosos e por 13 forças políticas e movimentos sociais que não têm partido. É provável que o Partido Al Nur, salafista e que apoiou a queda de Mursi, venha a apoiá-lo, assim como a grande maioria dos muçulmanos sunitas que não sejam ligados à Irmandade.

O segundo nome é Hamdeen Sabbahi, jornalista também com 60 anos. É líder da Frente de Salvação Nacional que fazia oposição à Mursi. É considerado de centro-esquerda. Alguns o chamam de nasserista. Foi preso nada menos que 17 vezes desde os governos de Sadat e Mubarak. Em 1992 ajudou a fundar o Partido Democrático Nasserista. Nestas eleições concorre como independente. É apoiado por 14 partidos. Tem apoios dos liberais, de grande parte da esquerda, de intelectuais. Tem com ele quatro forças políticas (que não atuam em partidos). O nome da sua coligação é “Corrente Popular”. O símbolo de sua campanha é uma águia e o slogan é “Vamos continuar nosso sonho”.

Os jornais árabes que consultamos (em suas versões em inglês e as traduções fornecidas pelo Dr. Assad Frangiéh, editor do site Oriente Press – www.orientepress.net), indicam que praticamente não há campanha de rua até o presente momento. Apenas pela televisão e pelos jornais.

Notícias indicam ainda que existem divisões em dois importantes setores da sociedade egípcia e que tiveram papel destacado na revolução de janeiro de 2011, que culminou na queda de Mubarak. O primeiro é no movimento Tamarod que quer dizer “Revolta” em árabe e reúne a juventude do país que conclamou o povo a ir às ruas, em especial pelas redes sociais. Parte do movimento apoia Sisi e outra parte Hamdeen.

A outra divisão significativa, ainda que na grande maioria estejam com Sisi, é no movimento sindical. Algumas estimativas indicam que o marechal teria apoio de dois terços dos sindicatos e federações de trabalhadores egípcios.

Por fim, é preciso dizer que o papel dos militares na sociedade egípcia é completamente distinto da forma como vemos os militares no Brasil. Em nosso país a ditadura instalada em 1964 pelos militares, matou, torturou, prendeu milhares de pessoas. Cassou mandatos e exilou patriotas e democratas. A índole da formação nas escolas militares brasileiras sempre foi o anticomunismo.

No Egito isso é diferente. Desde 1952 o país se aproximou da antiga URSS e a formação de seus militares é antissionista, ou seja, contra Israel. Eles travaram pelo menos três guerras contra esse país. Os militares egípcio, em uma proporção muito maior que no Brasil, com relação à população, possuem imensa simpatia da população.

Nesse sentido, mesmo sem ter conhecimento de pesquisas confiáveis de opinião pública, já dissemos antes e reafirmamos: a probabilidade de Sisi vencer no primeiro turno é muito grande.


A posição do Partido Comunista

A direção do Partido reuniu-se em 10 de abril. Discutiu exaustivamente o tema. Havia, na primeira fase dos debates, três propostas. A primeira delas seria simplesmente boicotar o pleito. A segunda seria apoiar o marechal Sisi e a terceira apoiar Hamdeen.

Afunilado as propostas, acabou indo a votação duas delas. A primeira seria participar das eleições e a segunda liberar a militância, filiados e os quadros a apoiar qualquer uma das duas candidaturas. Ao ser votada, ganhou a liberação da militância com mais de 70% dos votos.

O mais importante neste processo com os camaradas comunistas é o reconhecimento da importância da participação do processo eleitoral. Ficar fora dele seria um mau sinal enviado à sociedade. O segundo aspecto, é que mostra a força que Sisi tem até mesmo entre os comunistas, ou seja, se não tivesse, talvez tivesse sido fácil aprovar o apoio ao segundo candidato de centro esquerda e com um programa mais popular.

Perspectivas e desdobramentos das eleições

Há muitas previsões que podem ser feitas, todas elas muito arriscadas. O que é certo é uma mudança profunda em curso em todo o Oriente Médio. Com a praticamente certa vitória do governo da Síria contra os terroristas, significando uma derrota do imperialismo estadunidense, com o fortalecimento do Irã e a quase certa assinatura de um acordo nuclear que distenciona as relações com o resto do mundo, é provável que o Egito acompanhe essas mudanças.

A Rússia, antiga URSS, vem aumentando a cada dia a sua presença em todo o mundo árabe. Até o Egito do marechal Sisi esteve em Moscou assinando acordos de compra de armamentos russos. Para nossa surpresa, até a Arábia Saudita tem enviado sinais de que pode reatar com o Irã. O Líbano deve ter eleições em breve e a oposição sunita e vinculada aos EUA, da família Hariri, envia sinais de que aceita participar de um governo com o Hezbolláh, hoje a maior força política libanesa.

Concluo esse artigo apresentando mais perguntas do que respostas:

1. Vencendo qualquer um dos candidatos, os acordos de paz assinados com Israel serão rompidos?

2. Os EUA seguirão enviando quase dois bilhões de dólares todos os anos diretamente aos militares egípcios?

3. A fronteira egípcia com a Palestina pela Faixa de Gaza será imediatamente reaberta (cidade de Rafah)?

4. Como passará a ser as relações com a Síria?

Em breve teremos respostas para a maioria dessas perguntas. Manterei a todos informados.

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