Tensão no Curdistão

Não bastasse a grande tensão social e política vivida no Iraque em função da ocupação do país pelos Estados Unidos, conflito que já matou mais de cem mil iraquianos, agora no norte do país, na fronteira com a Turquia, um novo foco de tensão e conflito ecl

Quem são os curdos?


 


Os curdos são mais um dos povos, muito antigos, que vivem no Oriente Médio. Consideram-se uma etnia e espalham-se por quatro países da região: Turquia, onde são maioria, Iraque, Irã e Síria. Neste último são minoria. Falam língua própria e são esmagadoramente muçulmanos. São também dos poucos povos na humanidade ainda a não possuir o seu estado nacional, tal qual os palestinos (há outros na própria Europa, que lutam pela independência, dentro da França e Espanha).


 


Eles se reconhecem como descendentes de todas as pessoas, povos e etnias que por um dia fixaram-se nessa região conhecida como Curdistão. Não se reivindicam descendente de um povo particular, ainda que tenham adquiridos costumes, tradições e língua própria. Há registros de sua presença continuada no Norte do Iraque (sul da Turquia), uma região extensa de montanhas, desde pelo menos 400 anos antes de Cristo, como registram historiadores gregos.


 


Os árabes chegam a essa região e a conquistam pelas armas por volta do ano 900. Ainda que eles não tenham assimilado a língua do conquistador, adotam, por esmagadora maioria, a religião dos árabes, o Islã. Os curdos podem ser considerados descendentes de tribos arianas que migraram da região da Ásia Central há pelo menos três milênios. Muitos historiadores e especialmente a conceituada Enciclopédia do Islã, menciona a descendência curda diretamente dos hurritas e hititas.


 


Não se sabe ao certo quantos são os curdos. Mas faz-se cálculos de percentual estimado em cada um dos países em que são uma comunidade preponderante. Os governos desses quatro países onde habitam, relutam em fazer recenseamento especial para saber exatamente quantos curdos vivem em seu território. A estimativa é que eles sejam 20% da população total da Turquia e do Iraque, 8% da Síria e 7% do Irã. Fazendo-se os cálculos com base na população atualizada desses países, podemos dizer que os curdos são 26 milhões. Uma imensa população, mais do que o dobro de todos os palestinos, mesmo contando os espalhados pelo mundo.


 


Questão política central


 


Os curdos fizeram muitas alianças com grupos poderosos e potências estrangeiras, na ilusão de que poderiam ter seu estado nacional constituído. Nunca se sagraram vencedores em seus objetivos. Foram derrotados especialmente na Primeira Guerra Mundial. Nenhum acordo internacional assinado em decorrência de seu término, previu em momento algum a criação de seu estado nacional.


 


De todos os estados nacionais onde os curdos vivem, nenhum outro os tratou tão com dignidade como no Iraque, especialmente no governo de Saddam Hussein. Ainda que a imagem da mídia, sempre distorcida, mostrava dureza nesse tratamento, apenas no Iraque, na região do Kirkut, os curdos viviam uma espécie de autonomia relativa. Suas bandeiras eram hasteadas nas repartições públicas iraquianas, as escolas públicas na região eram bilíngües e os professores também ensinavam em língua curda. Tinham inclusive um parlamento regional com autonomia. Algo parecido com o que ocorre nas duas Irlandas e mesmo no País Basco.


 


O partido de maior importância política no Curdistão, é o Partiya Karkerên Kurdistan ou Partido dos Trabalhadores do Curdistão, que usa a sigla PKK. Defendem abertamente – e praticam – a luta armada pela libertação da sua região e pela instalação de seu estado nacional. Para o Departamento de Estado dos EUA, essa organização é considerada “terrorista”, por usar as armas para a sua luta. A sua fundação é recente, data de 1970. Seu líder à época foi Abdullah Ocalan, executado pelo governo turco em 1999. Proclama-se como sendo um partido marxista e nacionalista.


 


O PKK confrontou-se, na maioria das vezes, com o exército turco, pelo fato de que a Turquia é o país onde eles são mais mal tratados. A língua curda é terminantemente proibida no país. Suas lideranças são perseguidas e encarceradas até hoje. A democracia nesse país é mesmo de fachada. A organização dos direitos humanos, chamada de Human Right tem extensos relatórios de denúncias sobre as situações de violações dos direitos desse povo.


 


Os conflitos recentes


 


Na fronteira turca com o Iraque, onde moram a maioria dos curdos, os conflitos são constantes. Nessa localidade morrem sistematicamente guerrilheiros do PKK, mas que também executam soldados turcos. Nos últimos dias, o noticiário vem mostrando a intensificação desse conflito. As mortes chegaram a 50 num só dia. Os guerrilheiros curdos, ainda que morram na proporção de três para um, mataram na última segunda pelo menos 12 soldados turcos.


 


A Turquia tem deslocado tropas para a fronteira. Isso também gera protestos por parte do governo do Iraque, que, paradoxalmente, é presidido por um curdo, Jalal Talabani. Aqui nesse caso do Iraque, é preciso registrar que os curdos também fizeram, mais uma vez, os acordos errados, na triste ilusão de que teriam a sua reivindicação histórica atendida, de criação de seu território. Acabaram apoiando, tal qual os xiitas fizeram, a invasão dos americanos no Iraque com o propósito de derrubar o governo de Saddam Hussein. Isso lhes custou caro. Aceitaram inclusive – como aceitam até hoje – a farsa “constitucional”, o desmonte do estado nacional, a dissolução do exército iraquiano, a total entrega do país, de suas riquezas e de suas empresas estatais.


 


Pagam hoje um preço caro por isso. Não só no aspecto da precarização cada dia maior das condições de vida, moradia e emprego, mas também político, pois são tratados com maior dureza e repressão. Não conseguirão a sua autonomia e independência. Fizeram a aposta no parceiro errado. Mas, afinal, desde quando fazer alianças com o imperialismo norte-americano foi uma coisa boa que pudesse atender aos interesses históricos de um povo sofrido?


 


 


Não vejo nenhuma possibilidade de solução do conflito. Ao contrário. Ele deve se agravar. O governo turco vai radicalizar os ataques, em respostas às ações dos guerrilheiros. Devemos apoiar a reivindicação do povo curdo, seu pleito é justo. No entanto, insisto em dizer que cometeram um erro estratégico em fazer acordos com o inimigo da humanidade e da classe. Agora pagam o preço. Vão ter contra si os governos fantoches do Iraque, terão os EUA contra e agora o governo de Ercep Erdogan, da Turquia vai reprimi-los ainda mais. Um impasse sem fim e o que é pior, sem que eles tenham aliados. Poderiam ser apoiados pelos sunitas, que hoje resistem no Iraque à ocupação, mas nem esses os apóiam devido ao lado oposto que ocupam no conflito.

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