Uma CPI para investigar a mamata financeria

A caixa preta dos ganhos especulativos no Brasil pode começar a ser aberta: nesta quarta feira (19) a Câmara dos Deputados instalou a CPI da Dívida Pública (criada em 2008) para investigar a composição da dívida da União, Estados e Municípios, examinar o pagamento de juros, seus beneficiários e seu impacto nas políticas sociais e na capacidade de investimento do país.

O objeto da CPI é um verdadeiro himalaia financeiro: o Banco Central informa que, em abril deste ano, a dívida bruta (incluindo os governos federal, estaduais e municipais e o INSS), chegou a R$1,8 trilhão (61,4% do PIB), e a dívida líquida era de R$1,1 trilhão (38,4% do PIB). Em 2008, essa dívida obrigou ao pagamento de R$ 282 bilhões só com juros e amortizações, valor que representa 30% de todo o orçamento.

Faz tempo que economistas progressistas denunciam a sangria dos cofres públicos gerada pela dívida pública, comprometendo a capacidade de investimentos do governo em áreas que vão desde obras de infraestrutura até gastos em saúde, educação, moradia, segurança etc. Recentemente, em palestra na Fundação Mauricio Grabois, o professor Miguel Bruno, do IPEA e da Universidade Estadual do Rio de Janeiro (UERJ) voltou a denunciar a enorme fatia do PIB que é abocanhada pelo capital financeiro, na forma de juros. Ela chega, disse o professor, a cerca de 29% de toda a produção anual do país. Quem se beneficia desse verdadeiro assalto à riqueza nacional é um minúsculo conjunto formado pelas 20 mil famílias mais ricas do país, que são detentoras de 80% dos títulos públicos. Isto é, todo o setor produtivo (que envolve de trabalhadores a empresários) trabalha para o enriquecimento deste conjunto que acostumou-se, principalmente desde os governos Collor e Fernando Henrique Cardoso, a beneficiar-se
dos altos juros obtidos nos investimentos praticamente sem riscos representados pela aplicação em títulos do governo.

Em sua palestra, Miguel Bruno destacou o aspecto negativo da financeirização das indústrias, induzido pelo atual modelo de política econômica voltado para os interesses rentistas. Nesse processo, disse o professor, os lucros são mais instantâneos e o capitalista “foge” do conflito entre capital e trabalho. O resultado é a escandalosa concentração da renda e da riqueza e a manutenção das desigualdades econômicas crônicas existentes no país.

A CPI da Dívida Pública pretende fazer uma radiografia deste quadro. Ela transforma em realidade, inclusive, uma determinação constitucional que, nestas duas décadas de vigência da Constituição de 1988, não saiu do papel. Seu resultado poderá ser um grande passo na compreensão mais profunda das contradições do Brasil de hoje ao tornar explícito o fundamento do pesado jogo de interesses que, sob o véu da "moralidade", move a resistência da direita e do conservadorismo neoliberal à qualquer mudança que altere este manancial de ganhos fáceis representado pela dívida pública.