Palavras ao mar

Somos nossa primeira companhia. E somos nossa melhor companhia também. A quarentena tem me revelado isso.

As palavras me alfabetizaram para os abraços, para os encontros. Particularmente, aprender a escrever, dia a dia, tem significado uma maneira de ir até alguém – e de chegar também até a mim. Assim na vida, como no jornalismo.

Por ainda não saber escrever sem sentir – os sentimentos do próximo e os meus -, eu me distanciei (naturalmente) um pouco da técnica, ao longo da minha #vidadejornalista, e não acertei o passo com a objetividade. Sempre tive dificuldades para compor um lead, o primeiro parágrafo de uma notícia. Virou piada, por exemplo, entre meus amigos de Redação, a cobertura que fiz de um daqueles desfiles óbvios de 7 de Setembro: passei um domingo inteiro, das 7 da manhã até depois das 9 da noite, entre a rua e o texto. Eu mesma achei inacreditável a minha incapacidade de, simplesmente, responder “quem”, “quando”, “onde”, “como” e “por quê”.

Mas segui porque eu acreditava que iria chegar em alguém; de alguém em alguém, me aproximaria da humanidade (do que somos). E também porque um alguém sempre acreditou em mim, na Redação do jornal, desde o início e até o fim: fosse uma companheira ou um companheiro de bancada; fosse uma editora ou um editor mais sensível; fosse uma leitora ou um leitor que me escreveu de volta; fosse mesmo quem eu nunca soube, mas que, tantas vezes, adiou que eu fosse embora.

O fato é que, desde quando as palavras me alfabetizaram, começando pela letra “a” (eu me lembro bem da mão da professora e, depois, da mão da minha mãe guiando a minha mão), entendi que escrever – o mundo, uma pessoa, uma vida – é como fazer uma declaração de amor. Inclusive, para nós mesmas – por que não?

(é mais ou menos assim)

Esse momento de isolamento social, necessário à contenção do novo coronavírus (que mata sem piedade ou despedida), me faz permanecer mais tempo com as palavras. Refaço abraços por elas, declaro o amor por elas. Ao mesmo tempo em que aprendo sobre o lead necessário ao rádio (trabalho agora no setor de jornalismo da Rádio Universitária FM/UFC); outro grande aprendizado se a intenção do encontro (com a humanidade) continua o caminhar. Mas acho que nunca fiz tantas declarações de amor como neste instante que vai passar; ou, justamente, porque vai passar.

Têm sido muitos “zaps” jogados no mar, a partir da ilha onde estou. Eu escolhi um deles, escrito por estes dias, para encontrar alguém do outro lado das ondas:

“Entendo tudo o que você diz e o que você sente, sinceramente.

Mas tente mesmo colocar você em primeiro lugar, frente isso tudo. Eu falo por mim, pela minha experiência. Não é possível dar conta de tudo (que achamos que temos que dar conta), principalmente, quando não cuidamos de nós. Ow, amiga, tire a culpa de você. Culpa é um excesso de bagagem, atravanca a viagem. Pense que você está fazendo o que é possível em uma realidade adversa. Dá pra mudar o pensamento, sempre. Hoje eu consigo afirmar isso.

Tudo bem, se você não estiver bem. O mundo não está.

Agora, se conhecer é fundamental para se curar. Viva, inteiramente, suas emoções. São elas que te mostram você mesma, te refletem.

Há o tempo da tristeza, há o tempo da alegria. Cruzamos um e outro a vida inteira. E, em todas as vezes, estamos com nós mesmas, entende? Somos nossa primeira companhia. E somos nossa melhor companhia também. A quarentena tem me revelado isso. Sinto falta dos amigos, mas não posso cobrar que eles estejam perto de mim, de alguma forma. Agora, eu estou sempre comigo, entende? Sou minha morada, para onde sempre volto. Compreender isso tem sido fundamental para sair da solidão – se estou comigo, não estou solitária.

Tenho aprendido, mais do que antes, a gostar de mim. A fazer programas comigo: um jantar, um filme, um cuidado. E tem sido bom.

Não digo que não sinto falta das pessoas, sinto, sim. E sinto muitas saudades do mundo. O que quero dizer é que ficar comigo também tem sido uma descoberta amorosa.

Conte comigo, amiga. Ou conte pra mim. Posso ouvi-la quando quiser desabafar.

Vou ali, fazer uma hidratação. (E isso não significa que não tenho trabalho também e outros sofrimentos – rs. Apenas significa que chegou a minha hora).”

Paz e bem,

Abraços daqui,

Fonte: Blog Ana dos Suspiros

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