Covas confirma que vai despejar 190 famílias em meio a pandemia

Decisão vai contra recomendação do Ministério Público e de Carta Aberta de entidades sociais. A ação prevê a retirada de moradores que vivem em pensões, hotéis e cortiços na área para que os imóveis sejam demolidos.

Remoção de moradores de Campos Elíseos para demolição de cortiços.

O prefeito de São Paulo, Bruno Covas, confirmou hoje (30) que devem ser despejadas as famílias de duas quadras da região da Cracolândia, na Luz, no centro da cidade. “A reintegração das quadras 37 e 38 estão previstas já há algum tempo, não é nenhuma novidade. Aqueles que acompanham as ações da prefeitura sabem que isso já estava previsto, já tinha sido solicitado ao Judiciário há algum tempo, fazem parte de um programa de requalificação daquela região, de ações para tentar diminuir o fluxo que está lá presente”, disse hoje (30) em coletiva de imprensa.

Covas disse que uma das preocupações é aglomeração que acontece na região. “Uma preocupação extra no momento em que se deve evitar aglomerações. Então, é um trabalho contínuo que a prefeitura desenvolve naquele espaço, que não vem de agora e que continua mesmo durante a pandemia”, disse, ignorando que a simples retirada dos moradores de suas casas gera aglomeração e risco de contaminação em massa, sem mencionar a falta de garantias de moradia segura.

O fluxo de consumidores de drogas a céu aberto surgiu depois que quarteirões de cortiços, hotéis e pensões foi demolido para atender à especulação imobiliária. Despejadas, pessoas que residiam nesses locais para consumir droga foram para as ruas, enquanto famílias foram deslocadas a força para ruas e favelas.

O surgimento do fluxo, assim como a denominação pejorativa do bairro de Cracolândia, dada pela Folha de S. Paulo, têm dada de aniversário e autoria. Com a preocupação de atacar a aglomeração do fluxo com força bruta, medida que já foi tomada inúmeras vezes sem resultado, a Prefeitura deve aumentar ainda mais a concentração de novos moradores de rua.

“Continuar com a política de cerceamento e violência só vai piorar a situação. Essas medidas adotadas recentemente tiveram como resultado o aumento do fluxo, e não sua diminuição, como era previsto pela prefeitura”, diz carta aberta assinada por 22 entidades sociais. 

Recomendação contra despejos

O Ministério Público de São Paulo já fez uma recomendação para que a prefeitura não faça despejos de pessoas em situação vulnerável durante a pandemia e enviou um outro ofício para que as pessoas pudessem permanecer nos imóveis das quadras na Cracolândia. A ação prevê a retirada de, ao menos, 190 famílias que vivem em pensões, hotéis e cortiços na área para que os imóveis sejam demolidos. O plano prevê que os terrenos sejam usados para a construção de unidades habitacionais.

Na recomendação enviada na semana passada pelos promotores da área de habitação, Marcus Vinicius Monteiro e Roberto Pimentel, é solicitado que o Executivo municipal suspenda os despejos “enquanto perdurarem as regras de isolamento social determinadas pelos órgãos públicos de saúde”.

Os promotores afirmam que despejar essas pessoas dos locais ocupados pode aumentar a vulnerabilidade dessas famílias, além de contribuir para a disseminação da covid-19 na cidade.

“Medidas administrativas ou judiciais que, nesse momento, implicam em colocar nas ruas da cidade milhares de pessoas vulneráveis contrariam todas as determinações sensatas emanadas pelas agências de saúde. As ruas constituem um ambiente precário. Nelas, as pessoas não têm condições de protegerem a si mesmos nem a comunidade”, enfatiza a recomendação.

Sem moradia

Em uma carta aberta, diversas entidades criticam a remoção das pessoas da região da Cracolândia sem uma alternativa de moradia e uma possibilidade de renda para os comerciantes que têm estabelecimentos na área. O documento lembra de que os moradores e comerciantes do quarteirão vizinho já passaram por um processo semelhante.

“Desde maio de 2017, quando o então prefeito João Doria mandou derrubar os imóveis (inclusive com gente dentro) que esses dois quarteirões estão ameaçados de ser demolidos e de seus moradores e comerciantes perderem suas casas e fonte de renda. Foi exatamente o que aconteceu com o quarteirão vizinho, a “quadra 36”, no ano de 2018”, diz o texto que faz referência a um incidente ocorrido em maio de 2017. Na ocasião, um imóvel foi demolido com moradores ainda dentro, deixando três pessoas feridas.

A carta está assinada pelo Movimento Sem-Teto do Centro, pelo Observatório de Remoções, pelo Instituto dos Arquitetos do Brasil – São Paulo, Centro Gaspar Garcia de Direitos Humanos, É de Lei (Centro de Convivência É de Lei), Instituto Pólis, Mosaico (Escritório Modelo FAU Mackenzie), MMLJ (Movimento de Moradia na Luta por Justiça).

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