Colonialismo e direitos das pessoas LGTBI

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É inegável que o colonialismo foi sempre legitimado por teorias racistas, segundo as quais os habitantes das colônias eram sub-humanos que precisavam de ser civilizados. Bem, existem colônias no nosso continente, o que não é nada de novo para nós, claro.

Aos habitantes das colônias ou territórios do nosso continente são agora, em regra, concedidos os mesmos direitos humanos que aos das metrópoles. É isto que a França (cujas leis se aplicam em Guadalupe, Martinica, Saint Martin e Saint Barthélemy e Guiana Francesa), Holanda (em Bonaire, Sint Eustatius e Saba) e Estados Unidos (em Porto Rico e nas Ilhas Virgens) fazem atualmente. Presume-se que em todos estes territórios as pessoas LGBT também gozam da proteção dos Direitos Humanos e, de fato, em todos eles, por exemplo, estão em vigor as mesmas leis de igual casamento das metrópoles.

Mas existe uma curiosa exceção: a Grã-Bretanha. Parece haver uma diferença entre as pessoas LGBT brancas ou residentes nas Ilhas Britânicas e as das colônias. Acreditem ou não, no nosso continente há pessoas com idade legal que são condenadas por terem relações sexuais com outros do mesmo sexo com consentimento absoluto e livre, e mesmo por atos de intimidade.

A legislação britânica não se estende às colônias, porque o governo britânico afirma que, uma vez que delegou esses poderes a autoridades locais relativamente autônomas, não o pode fazer. A questão não é compreendida, porque a lógica indica que se não o pode fazer é porque as colônias não são colônias, mas se são colônias, não se explica que não o possa fazer. Seria absurdo se amanhã uma colônia britânica restabelecesse a escravatura e o governo do Reino Unido dissesse que não poderia fazer nada.

Além disso, o carácter vinculativo da Convenção Europeia foi alargado pelo governo britânico a todos os seus territórios nos anos 60, sem prejuízo do fato de que, além disso e a nível universal, a Carta das Nações Unidas a torna responsável pelos atos das autoridades locais das colônias. Apesar destes fatos óbvios, a Convenção Europeia não se aplica ao povo LGTBI do Caribe, ou seja, os habitantes LGTBI das Ilhas Cayman, Ilhas Virgens Britânicas, Turcos e Caicos, Monserrat e Anguilla, não gozam dos direitos a que têm direito ao abrigo da Convenção Europeia dos Direitos Humanos.

Naturalmente, o Parlamento britânico tem o poder de legislar para estas colônias, porque a autonomia legislativa delas é delegada como uma concessão do próprio Parlamento, uma vez que não são independentes. No exercício desse poder, em 2018 o Parlamento legislou sobre o branqueamento de capitais. Mas, para além disso, e precisamente sobre a questão da igualdade matrimonial, em 2019 legislou-a para a Irlanda do Norte, porque o parlamento local se recusava a lidar com a questão. Para os irlandeses do Norte sim, mas para os caribenhos não, sem dar uma razão para isso. Poderia ser uma questão de melanina?

Em homenagem à verdade, uma vez que há pessoas de etnias diversas em todo o lado, deve reconhecer-se que a Comissão dos Negócios Estrangeiros da Câmara dos Comuns enviou uma nota em 2019 ao Primeiro-Ministro, exortando-o a apelar aos governos das colônias do Caribe para que cumpram a Convenção Europeia e legislem sobre casamento igual, sob pena de o fazerem por decreto real ou por ato do parlamento de Londres. Mas o executivo recusou-se a fazê-lo, argumentando que estes são assuntos que são delegados aos governos das colônias. Por outras palavras, o mesmo argumento: com o povo da Irlanda do Norte sim, com o povo do Caribe não.

Mas a situação da população LGTBI no Caribe é ainda mais complicada, porque mesmo nos países independentes existem problemas. Isto merece uma explicação que não é fácil de compreender. Quando os países do Caribe de língua inglesa se tornaram independentes, mantiveram como seu Supremo Tribunal de último recurso o chamado Conselho Privado da Coroa Britânica, que com algumas excepções é composto pelos mesmos juízes que o Supremo Tribunal do Reino Unido.

Para escapar a esta jurisdição suprema, os Estados independentes do Caribe concordaram em estabelecer o seu próprio Tribunal de Justiça, mas há países que não aderiram a este tribunal (como Trinidad e Tobago) e continuam a depender, como supremo tribunal, do Conselho Privado Britânico.

Bem: este Conselho mantém a estranha tese de que os juízes locais dos países do Caribe não podem rever a constitucionalidade das leis da época colonial, razão pela qual leis que foram revogadas na Grã-Bretanha há sessenta anos e que hoje seriam absolutamente inadmissíveis devido à Convenção Europeia, ainda estão em vigor em alguns daqueles países, apesar de serem independentes. Imaginemos que depois da nossa independência, um tribunal espanhol ou português nos proíbe de revogar as Leis das Índias ou as Ordenações Filipinas.

Em resumo: os LGTBI podem ter relações e casar e gozar de todos os direitos garantidos pela Convenção Europeia no território britânico europeu; nas suas colônias do Caribe os seus habitantes gozam de todos os direitos garantidos pela Convenção, exceto o de praticar a sua sexualidade e casar, pois é a única coisa em que parece que não os consideram colônias, mas independentes. Mas os habitantes das suas antigas colônias agora independentes que não se livraram da tutela do Conselho da Rainha como supremo tribunal, não só não podem casar como são punidos.

Em conclusão, ao contrário de outros países fora da região que mantêm colônias ou territórios no Caribe, só os britânicos permitem a violação dos Direitos Humanos do povo LGTBI nos seus cinco territórios do Caribe – Ilhas Cayman, Turcas e Caicos, BVI, Monserrat e Anguila – e nas Bermudas, apesar do fato de o Parlamento britânico por lei e a Coroa através de decretos reais (chamados Orders in Council) terem o poder constitucional de legislar sobre qualquer assunto e pôr fim a tal violação. E como a cereja no bolo, através do Conselho Privado proíbe os Estados independentes que não se livraram dele (por adesão ao Tribunal de Justiça do Caribe, de declarar inconstitucional a lei que pune as relações entre pessoas do mesmo sexo.

Não podia ser mais claro: os direitos são para nós e para o nosso povo LGTBI, mas não para o povo do Caribe, porque eles são ricos em melanina e ainda temos de os civilizar, como diria a Rainha Vitória. E isto está a acontecer no nosso continente.

Fonte: Pagina12

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