Com mundo em modo de guerra, Petrobras está exposta à legislação dos EUA

Carlos Felipe Rizzo mostra como a reordenação das cadeias produtivas no mundo contribui para uma janela de oportunidade totalmente nova para a Petrobras, em relação a vinte anos atrás.

A guerra na Ucrânia afeta toda a cadeia produtiva de combustíveis no mundo.

O engenheiro e consultor do setor energético, Carlos Felipe Rizzo, critica a ameaça de desabastecimento de diesel nas próximas semanas, para não baixar a lucratividade de acionistas com os altos preços do racionamento.

A análise foi feita durante o Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”, promovido pela Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos. O debate aprofundou o tema da crise do setor energético e os desafios para a sua recuperação.

Assista a exposição de 20 minutos de Rizzo, abaixo, a partir de 1 hora e 12 minutos:

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Ele aponta as disputas econômicas entre EUA e China, que são catalisadas pela guerra da Ucrânia. Em sua análise, o objetivo é reduzir a forte influência energética da Rússia sobre a Europa e também afastá-la da China, para aumentar o mercado consumidor americano entre os 700 milhões de europeus.

Ele diz que ainda não havia visto uma imposição de sanções que impactasse tanto na redistribuição do fluxo de petróleo, quanto no fluxo econômico como um todo. A Europa passa a se abastecer de petróleo no Oriente Médio com previsão de racionamento de diesel para os próximos dias, o fluxo de petróleo russo vai para a Ásia e os EUA terão racionamento de diesel em julho na costa leste.

Isso tudo se refletirá em problemas de abastecimento nos próximos meses no Brasil, com forte aumento de preço. “O mundo entrou em modo de guerra, com modificação de fluxo logístico de combustíveis e aumento de utilização de legislação extraterritorial pelos EUA contra oligarcas russos, como fizeram com a Lava Jato no Brasil”.

Rizzo alerta para o fato da Petrobras estar extremamente exposta a este tipo de legislação extraterritorial. Para todos os efeitos, “ela é uma empresa norte-americana”, como revelaram as pressões da Lava Jato e da legislação dos EUA sobre seus acionistas minoritários com ações na Bolsa de Nova York. Isso já vem ocorrendo com a Vale do Rio Doce, a partir do episódio em Brumadinho.

Ele considera que este é o momento de avaliar se a Petrobras não deveria retirar suas ações das Bolsas de Nova York e Londres, que atacam empresas estrangeiras sob alegação de combate à corrupção, inclusive na Europa. Ou, ao menos, deveria reavaliar seu capital aberto no mercado americano.

A pandemia de covid também demonstra, na opinião dele, que o modelo antigo de industrialização “just in time” com produção concentrada no Oriente, capitulou. Para ele, com cenário de guerra e mudanças na globalização comercial, qualquer modelo de desenvolvimento que se pretenda soberano precisará considerar pelo menos 30% de produção industrial local. É o que os EUA de Joe Biden vem fazendo ao estabelecer padrões mínimos de 60% de conteúdo local para um produto ser considerado americano. Enquanto o mercado financeiro ocupa a costa leste e a tecnologia domina a costa oeste, a indústria pesada volta ao centro dos EUA.

“Na reorganização da globalização, estamos no quintal dos norte-americanos e nosso principal cliente está do outro lado do mundo”. Para ele, a relação com a China precisa ser modificada com investimentos em infraestrutura industrial local e ruptura com o teto de gastos. “Não haverá outro momento na década onde esse passo possa ser dado”, sentenciou.

O engenheiro também aponta a falta e “missão” da Petrobras, atualmente. A Petrobras deixou de ser uma “empresa integrada de energia” para se tornar “empresa de geração de valor para os acionistas”, missão introduzida por Castello Branco para garantir a venda da BR Distribuidora. “Isso é o oposto do que precisamos com a Petrobras”.

Com o controle quase total do abastecimento do país, de acordo com Rizzo, a Petrobras não poderia deixar haver racionamento de diesel no país nos próximos meses. Ele menciona os 50% de estoques ociosos da empresa que não aumenta para não sair do ponto ótimo de lucratividade. “A empresa que controla 75% do produção de diesel no país opta por não mexer na sua participação com a proximidade do desabastecimento”, critica.

Ele ainda aponta a necessidade da Petrobras trazer grande quantidade de gás para terra para ajudar a reindustrialização do país e equilibrar custos.

Após o debate, ele comparou Brasil e Noruega para explicar porque os países na se refletem. Embora produzam a mesma quantidade de barris, um tem apenas três milhões de habitantes, enquanto o Brasil tem 220 milhões. A estruturação do fundo soberano naquele país já amadureceu, enquanto no Brasil, um governo cria o fundo e o outro desmonta. São papéis totalmente diferentes da indústria de petróleo em cada sociedade.

Para ele, a sobrevalorização do real durante os governos de Lula e Dilma foi o grande vilão da indústria. Rizzo volta a insistir que o novo cenário pós-pandemia e de guerra na Ucrânia abre janela de oportunidade única para a indústria brasileira e a Petrobras. Há uma reorganização das cadeias produtivas em todo o mundo, que não havia 20 ou 10 anos atrás e que devemos aproveitar.

Segundo ele, há toda uma discussão nova sobre a importância do conteúdo local, independente do custo disso. O engenheiro considera que o Brasil precisa forçar um reindustrialização por joint ventures e não cair mais na armadilha da sobrevalorização do real, considerado por ele o maior mecanismo de desindustrialização.

Sobre a PPI, ele considera um problema a ser resolvido a privatização das refinarias. Para ele, Bolsonaro deveria aumentar os estoques e congelar os aumentos, numa intervenção de cima para baixo. O impacto dessa flutuação excessiva é enorme para toda a economia do país.

Carlos Felipe Rizzo é engenheiro civil, formado pela UFF, com MBA de Energia pela FGV e MBP pela Coppe, UFRJ. O consultor é ex-membro do Conselho da Refinaria de Manguinhos, ex-presidente da Doris Engenharia Brasil e ex-diretor de Relações Institucionais da Keppel Fels Brasil.

Seminário

O caso da Eletrobras será tematizado, especificamente, no seminário da próxima segunda-feira (30), quando serão reunidos elementos sobre a situação da empresa, para organizar a defesa durante a campanha e sua reconstrução posterior.

As exposições sobre o setor elétrico serão feitas pelos engenheiros Roberto D’Araújo, Íkaro Chaves e Ildo Sauer, dos economistas Aurélio Valporto e Clarice Ferraz, e do médico Sergio Siqueira da Cruz.

Além de conhecedores da real situação dessas duas empresas, os pesquisadores tiveram a experiência de dirigir ou trabalhar nelas ou na agência reguladora (caso da Petrobras).

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