Alto custo de combustíveis transfere renda do povo direto para acionistas
“Embora Bolsonaro diga que tem menos de 50% de participação na Petrobras, ele tem 100% da culpa da inflação de combustíveis, porque nomeia os diretores picaretas, que fazem o jogo do mercado americano para vender os ativos”, diz o engenheiro da Petrobras, Fernando Siqueira.
Publicado 25/05/2022 14:45 | Editado 26/05/2022 11:38
O engenheiro eletricista Fernando Siqueira mostrou como o preço extorsivo de gasolina, diesel e gás natural é formado, para demonstrar como a Petrobras tem servido como mecanismo de transferência de renda dos brasileiros para acionistas em Nova York.
Assim, 44% das ações estão na Bolsa de Nova York, com transferência direta da renda da população brasileira para acionistas privados com o alto custo dos combustíveis, atualmente.
A análise foi feita durante o Seminário “O Desmonte do Setor de Energia – Petrobras e Eletrobras – e os Caminhos para a sua Reconstrução”, promovido pela Fundação Maurício Grabois, através da Cátedra Claudio Campos. O debate aprofundou o tema da crise do setor energético e os desafios para a sua recuperação.
Assista à exposição de 28 minutos de Francisco, abaixo, a partir de uma hora e 56 minutos:
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Francisco começou apresentando a estratégia do Departamento de Defesa dos EUA, nos anos 1980, que é clara em impedir que países como o Brasil e o Mercosul, como um todo, se desenvolvam para não haver risco de coalizão hostil à potência americana, além de garantir acesso absoluto aos recursos desses países. Ele observa que a Noruega saiu da pobreza para um dos países mais desenvolvidos da Europa com a exploração do petróleo.
No governo Collor, a receita americana é aplicada a partir de documento detalhado do banco Credit Suisse, publicado pela Aepet (Associação dos Engenheiros da Petrobras), que apontava para a necessidade de dividir a empresa para privatização. Foi assim que Collor privatizou ativos da Petrofertil, Petroquisa e Petrominas, mas enfrentou resistências em dividir a Petrobras em unidades de negócios. Depois, parlamentares do centrão tentaram uma interpretação espúria da Constituição para quebrar o monopólio do petróleo, mas Itamar Franco ajudou a impedir isso.
A quebra do monopólio veio com Fernando Henrique Cardoso e a mudança do Artigo 5o. na Constituição, pela Emenda 9, que permitia atores privados na produção, além da lei 9478, de Concessão, com os piores termos contratuais do mundo. Naquele momento, o governo vendeu 33% das ações na Bolsa de Nova York, por um preço mais de quatro vezes menor do que valia.
Na gestão de Henri Philippe Reichstull (1999-2001), a empresa saltou de menos de um acidente por ano para 65 na série histórica. “Inclusive com o afundamento da plataforma P36, que visava jogar a Petrobras contra a opinião pública para justificar a privatização”, analisou Siqueira.
A recomposição com Lula e Dilma
Com a descoberta do pré-sal e o alerta dos diretores Sérgio Gabrielli e Guilherme Estrella sobre a perniciosidade da lei da concessão, Lula criou um GT para mudar o marco regulatório. Foi quando teria sofrido pressão contrária do cartel do petróleo, da Shell, da Total, da Chevron e do Consulado dos EUA, mas ainda assim conseguiu aprovar a Lei de Partilha. Depois, lamentavelmente, o senador José Serra (PSDB-SP) conseguiu aprovar seu projeto, tirando a Petrobras da condição de operadora única.
Em maio de 2013, Joe Biden pressionou Dilma, pessoalmente, que acabou leiloando Libra, o terceiro maior campo do pré-sal, numa negociação muito ruim, segundo o engenheiro. Depois, para não repassar o alto preço do barril para o consumidor, Dilma sofreu ataques por importar derivados e vender mais barato para seus concorrentes. “Mas ela mostrou que é possível desvincular o petróleo do preço internacional”.
Com o escândalo do petrolão, criticada por não ver corrupção na estatal, a auditoria independente Price Waterhouse começou a fazer exigências atendidas por Aldemir Bendini, como a venda de ativos e a implantação da PPI. Com a queda de Dilma, Michel Temer (PMDB-SP) assume, buscando orientações nos EUA, e nomeando Pedro Parente para a estatal, logo depois. Este retoma o plano de privatização de 2001, vendendo ativos a preços aviltados e oficializando a PPI.
Embora R$ 6,5 bilhões dos R$ 8 bi de prejuízo do petrolão tenham sido recuperados, Parente vendeu ativos com prejuízos superiores a R$ 50 bi, e sequer foi indiciado. O paradoxo continua com Roberto Castello Branco, que assumiu continuando esse processo de prejuízos bilionários em leilões da ANPS, malha de gasodutos Norte e Nordeste e Carcará.
Quando FHC assumiu, o governo detinha 84% do capital social da Petrobras, mas Reichstull vendeu, em 2000, 33% das ações em Nova York por US$ 5 bi, ou R$ 9 bi, quando as ações deveriam valer R$ 100 bi. A participação do governo cai para 34% com o incentivo de FHC aos estados para também venderem suas ações.
Com Lula, a participação subiu para 48%, e, com Bolsonaro, ao vender as ações em poder do BNDES e do Banco do Brasil, voltou a cair para 36,75%. Assim, 44% das ações estão na Bolsa de Nova York, com transferência direta da renda da população brasileira para acionistas privados com o alto custo atual dos combustíveis.
A explosão no preço do gás
Siqueira contou como é formado o preço do GLP, o gás de botijão. Conforme o gerente da Petrobras, Sérgio Tojal, informou numa audiência no Senado, são 18% de ICMS, 32% para a Petrobras e 50% para o atravessador que só coloca no botijão e vende. “É uma imoralidade, pois 15% já seria remuneração altíssima pelo que fazem”.
Com a denúncia feita por ele, mexeram na estrutura e o ICMS baixou de 18% para 15%, o lucro do distribuidor caiu de 50% para 36% e elevaram a participação da Petrobras de 32% para 49%, com os lucros dos acionistas “absorvendo a imoralidade”. “Com minha proposta, poderíamos baixar de R$ 103 para R$ 65 reais o preço do gás, com remuneração decente para todos, reduzindo o lucro imoral do acionista com a participação da Petrobras”, explicou.
No caso do diesel, ele mostra que o custo de produção para a Petrobras é de um real pelo litro, que é vendido por R$ 3,17. “É uma extorsão em cima de um combustível com uma alta função estratégica para o transporte de pessoas, alimentos e produtos, portanto gerador de inflação”, diz. Para ele, não faz sentido a empresa lucrar mais de 50% no litro de diesel, com mais de 200% do preço de custo em detrimento do povo brasileiro para repassar ao acionista privado.
No caso da gasolina, a Petrobras recebe R$ 3,85 por litro, com ganho de 200% do preço da gasolina vendido na bomba. Reduzindo o lucro a 100% de remuneração dos investimentos, com folga, o litro da gasolina que está em R$ 7,3 em média, poderia ter preço total por litro de R$ 4,81, segundo os cálculos do engenheiro.
Fake news contra a Petrobras
Siqueira ainda acusou as fake news espalhadas por Globonews e CNN de que o preço da Petrobras ainda está 11% abaixo do preço internacional, assim como defendem que é bom privatizar para ter mais concorrência e os preços cairem.
Ele demonstrou numa comparação que fez, que o preço em dólar nos países com monópolio (como Venezuela, Irã, Kuaite, Malásia, Iraque, Catar, Arábia Saudita e Rússia) fica abaixo de um dólar. A Petrobras cobra US$ 1,20. Já no países em que o combustível é fornecido por empresas privadas em concorrência livre (caso do Canadá, Japão, Coreia do Sul, Espanha, Bélgica, Dinamarca), os preços ainda estão muito acima da Petrobras.
“Embora Bolsonaro diga que tem menos de 50% de culpa sobre a inflação de combustíveis, ele tem 100% da culpa da alta do preço, porque nomeia os diretores picaretas, que fazem o jogo do mercado americano para vender os ativos”, concluiu.
Acionista é detalhe frente ao imperialismo americano
Após o debate, Siqueira complementou dizendo que a PPI não serve apenas a beneficiar acionistas. Para isso, bastava aplicá-la aos 20% de produtos importados. Para ele, a política de preços abusiva serve para colocar a sociedade brasileira, a partir da mídia, contra a Petrobras e garantir sua privatização.
A queda de 80% para 40% na rejeição à privatização é um indicador dessa percepção da população que culpa a empresa e questiona seu caráter estatal. Para ele, é preciso ficar claro que a Petrobras é uma instituição e que a culpa é da diretoria colocada pelo governo.
Na visão dele, o benefício ao acionista é um detalhe de uma lógica imperialista ainda mais brutal. A insegurança energética dos EUA, com seus 4% da população mundial consumindo 35% da energia produzida no mundo, é o motivo principal. Siqueira testemunhou no Iraque a morte de Sadam Hussein, assim como na Líbia, Anuar Kadafi também foi assassinado, para garantir a posse americana sobre o petróleo daquelas nações devastadas. “O fundamental é que os EUA querem a Petrobras e o pré-sal!”
“O petróleo poderia transformar o Brasil numa grande Noruega”, afirmou, observando o receio dos EUA em que o país se torne hegemônico na economia mundial. Ele salientou que a Noruega tem enormes dificuldades climáticas na agricultura, que demonstra a enorme viabilidade do Brasil no mundo.
Alavanca da industrialização
Ele ainda fez um depoimento sobre como a Petrobras tem o poder de alavancar a indústria nacional. Em 1972, quando Siqueira entrou na Petrobras, o general Ernesto Geysel autorizou a empresa a comprar, até pelo dobro do preço internacional, equipamentos nacionais para a empresa. “Com isso, ao percorrer indústrias afins, levando tecnologia, desenvolvemos 1.500 fornecedores de equipamento de petróleo, competindo com o estado da arte internacional, que geraram 3.600 subfornecedores, somando 5 mil novas empresas de produtos nacionais para petróleo, podendo fornecer até para outras indústrias”.
FHC isentou as empresas estrangeiras desse tipo de equipamento e manteve o ICMS para as nacionais. Com isso, a vantagem de 100% caiu para menos 28%, derrubando a competitividade das empresas e dizimando-as, hoje, tornando-se escritórios de representação de suas concorrentes internacionais. “A Petrobras é a maior chance que o Brasil tem de alcançar seu destino histórico no mundo”, concluiu.
O engenheiro eletricista Fernando Siqueira é pós-graduado em petróleo e cursos de instalação no mar em Houston (EUA). Trabalhou como engenheiro na Petrobras por 25 anos e exerceu as funções de projetista, chefe de setor de projetos especiais, chefe da Divisão de Engenharia, do departamento de produção e superintendente de projetos na bacia de Campos e de Santos. Tem MBA em previdência complementar e é autor de vários livros sobre petróleo. Hoje é diretor da AEPET – Associação dos Engenheiros da Petrobras da qual também já foi presidente, e diretor do Clube de Engenharia. Foi presidente do Conselho Fiscal da Petros.
Seminário
O caso da Eletrobras será tematizado, especificamente, no seminário da próxima segunda-feira (30), quando serão reunidos elementos sobre a situação da empresa, para organizar a defesa durante a campanha e sua reconstrução posterior.
As exposições sobre o setor elétrico serão feitas pelos engenheiros Roberto D’Araújo, Íkaro Chaves e Ildo Sauer, dos economistas Aurélio Valporto e Clarice Ferraz, e do médico Sergio Siqueira da Cruz.
Além de conhecedores da real situação dessas duas empresas, os pesquisadores tiveram a experiência de dirigir ou trabalhar nelas ou na agência reguladora (caso da Petrobras).