239 mil hectares de fazendas foram certificados em territórios indígenas

Agência Pública revela que governo Bolsonaro permitiu o registro de mais de 400 fazendas a partir da Instrução Normativa nº 9 (IN 09) da Funai.

Terra Indígena Porquinhos, no Maranhão - Felipe Werneck/Ibama

Reportagem da Agência Pública apurou que o governo Bolsonaro certificou 239 mil hectares de fazendas ocupadas em territórios indígenas em todo o país após a Instrução Normativa nº 9 (IN 09) da Funai, homologada em 24 de abril de 2020.  A normativa foi emitida pelo presidente da Fundação Nacional do Índio (Funai), Marcelo Xavier.

A IN 09 da Funai permitiu certificações e registros de fazendas no Sistema de Gestão Fundiária (Sigef) federal, dentro de terras indígenas (TIs) ainda não homologadas por decreto presidencial – a última fase do processo de demarcação antes do registro definitivo. Em mais de três anos de governo, Bolsonaro não homologou nenhum território indígena.

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A maioria das certificações aconteceu ainda em 2020: foram 124 mil hectares certificados de mais de 240 fazendas dentro de TIs de abril até dezembro.

Os dados revelam que não se trata apenas de fazendas que cortam trechos de TIs. A maioria das propriedades certificadas — 210 — está 100% dentro desses territórios.

TIs do Maranhão

A maior parte das TIs afetadas pela normativa da Funai se encontra no Maranhão: são mais de 138 mil hectares certificados como propriedades privadas no sistema do governo.

Mais de 20 etnias vivem nessas áreas. O povo mais afetado é o Canela, que teve 117 mil hectares de fazendas demarcadas dentro das suas terras. Eles lutam há anos pela homologação dos territórios Kanela/Memortumré e Porquinhos dos Kanela-Apãnjekra, ambas no Maranhão. Em 2020, reportagem da Agência Pública lançada cerca de um mês após o anúncio da IN 09 já listava os Canela como os mais afetados pela normativa.

Em fevereiro deste ano, decisão liminar do Judiciário maranhense determinou a suspensão da IN 09 no estado. Passados cinco meses, porém, as terras certificadas na esteira da normativa seguem ativas.

Território indígena Porquinhos dos Kanela-Apãnjekra, no Maranhão, está entre os mais afetados pela normativa da Funai / Felipe Werneck/Ibama

Certificação a jato

Ao todo, 415 fazendas tiveram trechos certificados dentro de TIs não homologadas. Entre eles, há casos de verdadeiros latifúndios, como a fazenda Boa Esperança II — a terceira maior propriedade beneficiada pela medida.

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Graças à normativa da Funai, em 25 de janeiro de 2021 o governo Bolsonaro reconheceu essa fazenda de quase 10,5 mil hectares inteiramente dentro da TI Porquinhos, dos Canela. O reconhecimento se deu quase automaticamente, no mesmo dia da submissão do pedido no Sigef.

MPF conseguiu suspender certificações em 13 estados

Membros do Ministério Público Federal (MPF) em várias partes do país começaram a se mobilizar contra a medida. Já foram movidas ao menos 29 ações judiciais em 15 estados do Brasil contra a IN 09.

Entre sentenças e decisões liminares, a medida foi derrubada em 13 estados, incluindo sete da Amazônia Legal: Acre, Amazonas, Maranhão, Mato Grosso, Pará, Rondônia e Roraima.

Além destes, o Judiciário tomou decisões favoráveis ao pleito também no Rio Grande do Sul, Bahia, Santa Catarina, Minas Gerais, Mato Grosso do Sul e São Paulo.

A despeito das vitórias judiciais suspendendo a medida, a normativa provocou efeitos práticos nos territórios indígenas, segundo o procurador Ricardo Pael (MPF-MT).

“Houve um acréscimo significativo das invasões às terras indígenas, e esse foi um dano mais palpável e mais imediato aos povos indígenas. Acabou sendo um grande incentivo para invasões e para o aumento da exploração ilegal, tanto madeireira quanto garimpeira”, explica.

Leia a reportagem completa em: Agência Pública.

Reportagem de Bruno Fonseca, Caio de Freitas Paes, Rafael Oliveira.