Racismo: crianças pretas sofrem duas vezes mais abordagem policial, diz estudo

Pesquisa com crianças de 11 a 14 anos aponta que os pretos são alvos preferenciais do policiamento. Para ex-Ouvidor da Polícia, Elizeu Soares, a discriminação racial está presente em todas as instituições.

Foto: Rovena Rosa/Fotos Públicas

Crianças pretas sofrem abordagem da polícia duas vezes mais do que brancos e pardos. É o que aponta uma pesquisa do Núcleo de Estudos da Violência da USP. Segundo o levantamento realizado em São Paulo, 21,51% das crianças pretas menores de 14 anos já foram revistadas pela polícia.

O estudo intitulado “A experiência precoce e racializada com a polícia (2016 – 2019)” apenas confirmou como a discriminação racial e a seletividade das abordagens policiais estão presentes desde cedo na vida das crianças pretas.

O estudo colheu dados inéditos sobre os diferentes tipos de contato entre crianças e adolescentes e a polícia na cidade de São Paulo. Os pesquisadores utilizaram um método longitudinal que possibilitou provar que em três dos quatro anos da pesquisa, ser parado pela polícia ou estar com alguém abordado esteve associado com os estudantes autodeclarados pretos.

Foram entrevistados um grupo de 800 crianças, meninos e meninas, de 120 escolas privadas e públicas, uma vez por ano, entre os anos de 2016 a 2019. Todas tinham 11 anos de idade à época que responderam pela primeira vez o questionário e encerraram o estudo com 14 anos.

“Quando você pensa que crianças de 11 anos já estão tendo esse contato com a polícia, já estão vendo a polícia prender e algemar alguém, e alguns já estão sendo até abordados, é um pouco chocante?”, disse a pesquisadora Aline Mizutani Gomes, mestre em psicologia escolar pela USP e uma das autoras da pesquisa em entrevista ao Uol.

Em entrevista ao Portal Vermelho, o ex-Ouvidor das Polícias do Estado de São Paulo, o advogado Elizeu Soares Lopes sintetizou que infelizmente o racismo está em todas as instituições.

Primeiro negro titular da pasta na Ouvidoria de São Paulo que foi criada em 1995 com o objetivo de acompanhar denúncias de arbitrariedade policial, Elizeu teve sua gestão (2020 a 2022) marcada pela criação de um Grupo de Trabalho de Combate ao Racismo nas Instituições Policiais do Estado de São Paulo, com participação de diversos segmentos da sociedade civil que propôs ações de aprimoramentos nas ações das polícias paulistas.

Atual Chefe de Participação Social e Diversidade do Ministério da Justiça e Segurança Pública, Soares disse que leu o resultado do estudo citado acima, mas que considera, no âmbito geral que “quando se trata de segurança pública estamos tratando de política pública”.

“Há uma consciência subjetiva sobre como se deve tratar as pessoas e que encontra guarita em toda a sociedade, de como nós, negros, somos reportados no dia a dia. É importante lembrar como esses sujeitos foram historicamente tratados. Mas, de fato, devemos pensar que todos nós somos cidadãos e precisamos ser tratados com dignidade”, disse.

Advogado, Elizeu Lopes é especialista em Direito Constitucional e Administrativo. Foto: Perfil Facebook

Lembrou que há pouco mais de 134 anos, antes da abolição da escravatura, as pessoas negras nem eram consideradas seres humanos. “Hoje as pessoas que estão nas arenas mais violentas do país são as que vão ter ao longo da vida mais contatos com as policias. E quem estão nas arenas mais violentas? questionou.

“As ações positivas e negativas do agente policial impactam muito na vida das pessoas. Eles têm a missão do Estado de proteger as pessoas, mas também de conter anomalias cometidas por qualquer pessoa”.

Porém, destacou Soares, ao combater o crime, a polícia não pode partir de um pressuposto que se a pessoa for pobre, ou negra, deve ser tratada como criminosa. “Essa é uma percepção de todas as instituições. Mas quando o caso é com a polícia causa mais indignação, porque quando o policial comete uma atitude criminosa contra alguém, se ele não está usando os meios legais para reprimir algum tipo de crime, ele está sendo criminoso”. E segundo o advogado, as forças polícias devem ser investigativas e de prevenção contra o crime.

Questionado sobre quais os mecanismos que possam barrar este tipo de abordagem, Soares avaliou que resolver a questão do racismo estrutural é bastante complexo e desafiador. “Para mitigar esses efeitos racistas, todo o Estado brasileiro teria que tratar todos os cidadãos igualmente, com dignidade e respeito. É importante combater o racismo simbólico que é causado pela polícia”.

Para ele, a aproximação da polícia com a população e vice-versa seria um passo importante para diminuir o problema. Assim, destacou o trabalho da polícia comunitária, que tem uma relação mais próxima da comunidade.

“Quanto mais a polícia se aproximar da população com respeito e a população fazer o mesmo, mais confiança terão um no outro e a atividade policial, com certeza, será mais eficiente. Precisamos ter uma relação de respeito mútuo”, considerou.

Segundo o chefe do ministério, a grande maioria da população brasileira são trabalhadores que lutam o seu dia a dia para sustentar suas famílias. “É um percentual mínimo aqueles que cometem crimes”, concluiu.

A pesquisa completa está disponível AQUI

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