STF invalida tese da ‘legítima defesa da honra’

“Avançamos em uma ‘lei’ patriarcal que subjuga mulheres há anos”, disse Vanja Andrea, presidenta da UBM, sobre decisão que derruba argumento utilizado para justificar feminicídios

Mulheres fazem caminhada em solidariedade às manifestações feministas na América Latina, que tem países com alta taxa de feminicídio, segundo a ONU (Rio de Janeiro) | Foto: Fernando Frazão/Agência Brasil

Nesta terça-feira (1º/8), durante a sessão de reabertura dos trabalhos do Supremo Tribunal Federal (STF), os ministros decidiram por unanimidade invalidar o uso da tese de “legítima defesa da honra” em crimes de feminicídio ou agressão contra mulheres.

A tese, que era frequentemente utilizada para justificar o comportamento do acusado, alegando que a conduta da vítima havia “ferido a honra do agressor”, foi considerada inconstitucional e contrária aos princípios de dignidade humana, proteção à vida e igualdade de gênero.

O plenário já havia formado maioria pela inconstitucionalidade da tese em junho, antes do recesso Judiciário. Nesta terça, as ministras Cármen Lúcia e Rosa Weber, presidente do STF, reforçaram a decisão em votação.

O relator do caso, ministro Dias Toffoli, defendeu a procedência integral do pedido apresentado pelo Partido Democrático Trabalhista (PDT) na ação, sustentando que o uso da tese vai contra os princípios constitucionais da dignidade humana, proteção à vida e igualdade de gênero. Segundo o relator, “legítima defesa da honra” não é, tecnicamente, legítima defesa, que é uma das causas excludentes da ilicitude previstas no Código Penal. Porém, trata-se de um “recurso argumentativo/retórico odioso, desumano e cruel” utilizado pelas defesas de acusados de feminicídio ou agressões para imputar às vítimas a causa de suas próprias mortes ou lesões.

Nulidade

A decisão implica que dispositivos do Código Penal e do Código de Processo Penal devem ser interpretados de forma a excluir a “legítima defesa da honra” do âmbito da legítima defesa em processos criminais envolvendo mulheres. A defesa, acusação, autoridade policial e o Juízo não podem utilizar esse argumento, seja diretamente ou indiretamente, sob pena de nulidade do ato e do julgamento.

Para a ministra Cármen Lúcia, a tese vai além de uma questão jurídica, sendo uma questão de humanidade. Ela enfatizou que a sociedade ainda “hoje é machista, sexista, misógina e mata mulheres apenas porque elas querem ser donas de suas vidas”.

Por sua vez, a ministra Rosa Weber destacou que as instituições jurídicas do Brasil evoluíram com a história do mundo, abandonando valores arcaicos de sociedades patriarcais. Para ela, em uma sociedade democrática, justa e solidária, baseada na dignidade humana, “não há espaço para a restauração dos costumes medievais e desumanos do passado pelos quais tantas mulheres foram vítimas da violência e do abuso em defesa da ideologia patriarcal fundada no pressuposto da superioridade masculina pela qual se legitima a eliminação da vida de mulheres”.

Pauta cara

Vanja Andrea, presidenta da UBM

A presidente da União Brasileira de Mulheres (UBM), Vanja Andrea, em entrevista ao Portal Vermelho, avalia a decisão como um avanço civilizatório acerca dos direitos das mulheres e dos direitos humanos. Segundo ela, essa pauta sempre foi cara para as mulheres, que têm lutado por sua proteção e respeito há anos no Brasil e ressalta que a tese de “defesa legítima” não pode ser usada como justificativa para assassinatos baseados em visões machistas e patriarcais da sociedade.

“Essa pauta cara para nós mulheres chega a uma aprovação unânime como resultado de um acúmulo de lutas, de inserções em vários espaços legislativos, poder judiciário e ruas no apelo para que fosse levado em consideração no Brasil, não apenas as nossas vidas, mas sobretudo a compreensão de que “amor”, “traição”, o descumprimento de “papéis” historicamente considerados da mulher dentro da perspectiva de uma sociedade machista, não podem servir de prerrogativas para assassinato”, disse.

A líder da UBM acredita que a decisão servirá para fortalecer regramentos de respeito nas relações, como a Lei Maria da Penha, e reforçar a importância do estado assumir seu papel no enfrentamento da violência de gênero. Para ela, o campo jurídico deve ser formado sob uma perspectiva de gênero, tratando as mulheres que adentram em tribunais, delegacias e outros ambientes da justiça com olhar humano e livre de estereótipos.

“Nada é conquistado sem muita luta e persistência. O estado tem que assumir seu papel no enfrentamento dessa violência que não pode ser tratada como uma situação privada, de uma relação. Em briga de marido e mulher se mete a colher sim! E o “meter a colher” é mais do que intervir quando a situação chega no extremo da violência, é mais do que criar uma lei que tem que ser monitorada e ter investimento para funcionar e cumprir sua finalidade.”

A decisão histórica do STF representa um importante avanço no combate à violência de gênero e na proteção dos direitos das mulheres no país. A sociedade brasileira caminha, ainda que em passo lentos, em direção a uma maior igualdade de gênero e ao fim de práticas que perpetuam o machismo e a violência contra as mulheres. O reconhecimento de que a “legítima defesa da honra” não pode ser utilizada como escudo para a impunidade é um avanço que beneficia toda a sociedade e que reforça a importância de se construir um país mais justo e solidário.

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com informações do STF

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