Corte britânica questiona Vale sobre indenização a atingidos por barragem

Vale tem 3 meses para se defender de cobrança de indenizações de atingidos pela tragédia ocorrida em Mariana (MG), que envolve mineradora anglo-australiana BHP Billiton

A reconstrução dos distritos de Mariana (MG) devastados pelo acidente ainda está no papel. (Roberto Franco/UFMG)

A Justiça do Reino Unido deu prazo de três meses para que a mineradora Companhia Vale do Rio Doce apresente defesa no processo em que, 700 mil atingidos pela tragédia ocorrida em Mariana (MG) cobram indenizações da mineradora anglo-australiana BHP Billiton, acionista da Samarco. A defesa dos atingidos sustenta que o Brasil não tem sido capaz de assegurar uma justa reparação e receberam bem a decisão britânica

A tragédia ocorreu em novembro de 2015, quando uma barragem localizada na cidade mineira se rompeu. No episódio, a avalanche de rejeitos escoou pela Bacia do Rio Doce, impactando dezenas de municípios mineiros e capixabas. Dezenove pessoas morreram e a gestão da indenização não avançou em resultados, e tem sido marcada por falta de transparência.

Argumentos apresentados pela Vale, contestando a competência das cortes britânicas para julgar o caso, foram rejeitados. A barragem que se rompeu pertencia à Samarco, que tem a Vale e a BHP Billiton como acionistas. A empresa estrangeira sustenta que, em caso de condenação na Justiça do Reino Unido, as duas mineradoras devem dividir os custos.

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Em comunicado ao mercado, a mineradora afirmou que “seus consultores jurídicos considerarão cuidadosamente os elementos da decisão e apresentarão as medidas cabíveis no processo”. A Vale também disse manter seu compromisso com a reparação dos danos, nos termos dos acordos firmados no Brasil.

Com sede em Londres, a BHP Billiton responde ao processo que tramita desde 2018 na Justiça do Reino Unido. Ele foi movido por milhares de atingidos, representados pelo escritório Pogust Goodhead. Também integram o processo municípios, empresas e instituições religiosas que alegam ter sido impactados na tragédia.

Em março, 500 mil novos autores aderiram ao processo. Dessa forma, agora são mais de 700 mil pessoas e entidades representadas pelo escritório de advocacia.

Inicialmente, a BHP Billiton alegou haver uma duplicação de julgamentos e defendeu que a reparação dos danos deveria se dar unicamente sob a supervisão dos tribunais brasileiros. Após a Justiça do Reino Unido aceitar analisar o mérito do caso, a mineradora anglo-australiana passou a defender a inclusão da Vale no processo.

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A partir do pedido da BHP Billiton, a Vale precisou se manifestar em audiências ocorridas no mês passado. Os advogados das partes puderam apresentar suas considerações. Do lado de fora do tribunal, uma comitiva de atingidos realizou um protesto.

Em nota, o escritório Pogust Goodhead considerou positiva a decisão divulgada nessa segunda-feira (7) e manifestou expectativa de que, com a inclusão da Vale no processo, as mineradoras proponham um acordo. O texto traz ainda uma manifestação do advogado Tom Goodhead, sócio-administrador do escritório. “Já é hora de a BHP e a Vale finalmente chegarem a uma resolução efetiva e fazerem a coisa certa para as vítimas, que tiveram seu sofrimento prolongado por mais de oito anos”.

Por sua vez, a BHP Billiton divulgou comunicado reafirmando que refuta integralmente os pedidos formulados na ação ajuizada no Reino Unido. A mineradora anglo-australiana também disse esperar que as cortes britânicas acolham seu argumento e concordem que a Vale deve contribuir com no mínimo 50% de qualquer valor a ser pago aos atingidos.

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Questionamentos judiciais

Em 2020, sem entrar no mérito da questão, o juiz inglês Mark Turner considerou que havia abuso, entre outras coisas em analisar o caso no país, porque poderia haver sentenças inconciliáveis com julgamentos simultâneos no Brasil e no Reino Unido. Para ele, a Justiça brasileira era capaz de assegurar a justa reparação.

No entanto, em julho de 2022, a Corte de Apelação aceitou o recurso dos atingidos. As audiências que avaliarão se as mineradoras têm responsabilidades pela tragédia estão marcadas para outubro de 2024.

No Brasil, as ações reparatórias são administradas pela Fundação Renova, entidade criada em 2016 conforme acordo firmado entre as três mineradoras, a União e os governos de Minas Gerais e do Espírito Santo. Cabe a ela a gestão de mais de 40 programas. Mas, passados quase oito anos, sua atuação é alvo de diversos questionamentos judiciais por parte dos atingidos e do Poder Público. Há discussões envolvendo desde a demora para conclusão das obras de reconstrução dos distritos arrasados na tragédia até os valores indenizatórios.

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O Ministério Público de Minas Gerais (MPMG) chegou a pedir a extinção da Fundação Renova por considerar que ela não tem a devida autonomia frente às três mineradoras. Também já questionou os números divulgados pela entidade, defendendo auditoria. Uma tentativa de repactuação do processo reparatório, capaz de apontar uma solução para mais de 85 mil processos sobre a tragédia, está em andamento desde o ano passado.

A BHP Billiton afirma que mais de 200 mil atingidos que integram o processo que tramita no Reino Unido já receberam pagamentos no Brasil. De acordo com a mineradora, os programas de indenizações individuais da Fundação Renova já contemplaram mais de 423 mil pessoas. Ao todo, teriam sido destinados R$ 14,3 bilhões.

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