Greves em alta, sindicalização em baixa: o paradoxo dos EUA

Número de sindicalizados atingiu o menor patamar da série histórica, caindo de 20,1% em 1983 para 10,0% em 2023

Trabalhadores participam da greve nas grandes montadoras de Detroit, em 2023

Após viver em 2003 “o verão com maior número de trabalhadores dispostos a cruzar os braços nos últimos 50 anos”, o movimento sindical dos Estados Unidos esperava uma adesão maior dos norte-americanos às entidades trabalhistas. Greves históricas na indústria audiovisual de Hollywood, nas montadoras de Detroit e na rede hoteleira de Los Angeles e Orange prenunciaram um crescimento nas taxas de sindicalização.

Mas estatísticas divulgadas nesta terça-feira (23) frustraram essas expectativas e trouxeram o sindicalismo de volta à dura realidade. Num inusitado paradoxo, os EUA estão às voltas com uma tendência de mobilizações em alta, mas sindicalização em baixa.

De acordo com dados oficiais do Departamento do Trabalho, o número de trabalhadores sindicalizados atingiu o menor patamar da série histórica. Em 1983, 20,1% da população assalariada com mais de 16 anos era filiada a algum sindicato. Quarenta anos depois, em 2023, a taxa caiu para 10,0%.

Seguindo a tendência mundial, o índice de sindicalização entre trabalhadores da iniciativa privada é inferior – e muito – ao de servidores do Poder Público (federal, estadual e municipal). Quem trabalha na agropecuária e na indústria tem demostrado menos propensão a aderir formalmente a entidades e negociações coletivas.

“A taxa de filiação sindical dos trabalhadores do setor público (32,5%) continuou a ser mais de cinco vezes maior do que a taxa dos trabalhadores do setor privado (6,0%)”, informou, em comunicado à imprensa, o Departamento do Trabalho. Em 1983, esses índices eram, respectivamente, de 36,7% e de 16,8%. Ou seja, a associação aos sindicatos caiu de modo lento, mas contínuo no funcionalismo público, mas despencou entre empregados da área privada.

A valorização do sindicalismo é ligeiramente maior entre homens (taxa de 10,5% de associação) do que entre mulheres (9,5%) – e mais acentuada entre os negros (11,8%) do que entre brancos (9,8%) ou hispânicos e latinos (9,0%). Seja qual for o recorte, a luta via sindicatos faz diferença: em 2023, os ganhos mensais dos não sindicalizados (US$ 1.090) representavam, em média, apenas 86 da renda dos sindicalizados (US$ 1.263).

Um alerta importante: o sindicato está pouco presente na cultura dos jovens norte-americanos. Segundo o Departamento do Trabalho, “por idade, os trabalhadores entre 45 e 54 anos apresentaram a maior taxa de sindicalização em 2023, com 12,6%. Os mais jovens – com idades entre 16 e 24 anos – tinham a menor taxa, com 4,4%”.

Mesmo em número absolutos, a queda é notória. Em quatro décadas, o país passou de 17,7 milhões de sindicalizados para 14,4 milhões. O presidente Joe Biden se diz orgulhoso de ver sua gestão ser chamada de “o governo mais pró-sindicatos da história dos EUA” – mas o apoio da Casa Branca não foi capaz de sensibilizar a classe trabalhadora norte-americana para a causa da sindicalização.

Seria muito, muito interessante que esse levantamento do Departamento do Trabalho chegasse às mãos dos defensores do fim da unicidade no sindicalismo. Conforme os arautos do “liberalismo” ou da “liberdade” sindical, um modelo com várias entidades disputando a mesma base de trabalhadores estimularia a luta, induziria as sindicalizações e levaria a mais direitos.

Os EUA, com uma estrutura liberal e a despeito do “governo mais pró-sindicatos”, estão aí para mostrar que toda e qualquer bravata se dilui diante dos fatos. Enquanto a onda de greves continua, cabe aos sindicalistas norte-americanos testarem e acharem o caminho para uma onda de sindicalizações.

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