O Homem e o amor árabe
Todos sabem que sou descendente de árabes, ainda que por parte de mãe. Como se diz em linguagem popular, sou apenas “meio árabe”. Mas me considero árabe mais do que muitos que descendem de pai e mãe. Sou árabe “puro”, pela cultura e pela educação familiar
Publicado 13/03/2008 10:17
O homem árabe
Minha educação, ao contrário de muita gente, acabou sendo árabe por inteira. Meu pai, português por descendência e meio mouro por circunstância do destino, deixou a minha casa quando eu tinha apenas dois anos. Minha mãe, árabe e siriani, síria por parte de país, acabou voltando para a casa de seus pais Ibrahim e Aznif. Meus costumes, as músicas que ouvia, a comida que comia, as revistas que eu lia, a conversas de meus avós, eram todas pronunciadas em língua árabe. Estudei com 14 anos a língua árabe no currículo escolar na escola Metropolitana da Igreja e catedral Ortodoxa da rua Vergueiro.
Os homens árabes são, com todos os estereótipos é bem verdade, um pouco machistas. Mas quando amam uma mulher em particular, amam-na por inteiro, se entregam totalmente. Não amei muitas mulheres na minha vida, mas quando o fiz, amei-as por inteiro, com dedicação total. Há um debate entre os muçulmanos sobre se devemos ter apenas uma mulher ou até quatro conforme prescreve o Alcorão. Nesse sentido, minha prática foi mais islâmica do que cristã, apesar de ser ateu e materialista no sentido religioso do termo. No entanto, esse é um costume em desuso. Se em algumas localidades ainda persistem no casamento poligâmico, este deve seguir estritamente o que prescreve o Al Corão. Para que uma segunda esposa possa ser admitida no lar, a primeira deve aceitar isso. O marido deve tratar a todas com respeito e amá-las por igual. E, fundamentalmente, deve garantir a sobrevivência com dignidade e com igualdade de todas elas. Nos dias atuais, isso não é fácil.
A minha coluna desta semana deveria tratar dos massacres que vem ocorrendo na Faixa de Gaza. No entanto, em função da etapa que vivo hoje, achei melhor tratar do amor, do homem árabe. Sei que um dia terei que fazer uma espécie de “acerto de contas” com meu passado, com os meus ancestrais. Terei que um dia, passar uma temporada no Oriente Médio. Terá que ser em Damasco (Chem em árabe). Poderei levar daqui meu amor ou encontrar lá um novo amor. Isso a história decidirá.
Abaixo, publico uma espécie de crônica, misturado com poesia, uma declaração de amor de um homem árabe, com a qual me identifico profundamente. Espero que meus leitores apreciem.
Uma poesia sobre amor árabe
''Não posso vê-la com os olhos do Ocidente, e sim com meu sangue meio-mouro em ebulição herdado na Ibéria.
Os seus olhos negros arábicos hipnotizantes, ora instigando malícia, ora agitação, ora maturidade, ora viagem, traz galáxia de estrelas que testemunham o deserto rico de vidas e acontecimentos.
Sinto-me seu Senhor, seu Emir, protegendo-a das tribos nômades inimigas que ficam à espreita tencionando raptar as jóias desatentas.
Habita minha tenda, meio palácio, meio santuário, com tapetes a lhe acariciar os pés e almofadas por toda parte para aconchegar seu corpo escravo do meu amor, do meu ardor, do meu suor e dos meus caprichos.
Ajoelhada lava e enxuga meus pés com delicadeza num gesto de submissão, exalta meus feitos noutro gesto de gratidão, para logo mais avançar com as garras ferinas como uma louca para ser beijada nos seios brutalmente delicados; mas a batalha não está finda: ponho-me com a lança quente do guerreiro árabe que há em mim, a ferir-lhe freneticamente as entranhas e marcar-lhes as ancas e exausta, aos pedaços, geme e pede novos doces maus tratos
Que suaves canções trazem hoje os ventos? Que danças fazem hoje as dunas? Que perfume invade hoje minha tenda? Hasteio minha bandeira, demarco meu território para que possa se sentir amparada longe dos beduínos.
Viver este mistério é sentir a brisa do Mar Vermelho penetrar as narinas ainda que se esteja no meio da península; é saber a direção de Meca e orar; é ver as riquezas que brotam do preto do petróleo, do preto dos seus olhos e finalmente do preto da meia-lua; é vagar pelos caminhos que mudam ao sabor dos ventos persistentes…
Vem dançar para mim; vem me agradar; vem acabar de vez com o que resta do meu lado Ocidente tão bárbaro e tão desassossegado; vem mostrar-me seu ventre'' (Nílton Bustamante).