STF paralisa julgamentos sobre pejotização e reacende debate sobre fraude trabalhista

Para Magnus Farkat, medida atrasa a reparação de fraudes que mascaram vínculos empregatícios

O ministro do STF, Gilmar Mendes, suspendeu todos os questionamentos sobre vínculo empregatício envolvendo a "pejotização".

O Supremo Tribunal Federal (STF) decidiu suspender, em todo o país, os processos que discutem a licitude da chamada pejotização — quando empresas contratam trabalhadores como pessoa jurídica para evitar obrigações previstas na Consolidação das Leis do Trabalho (CLT). A medida foi determinada pelo ministro Gilmar Mendes, relator do Recurso Extraordinário com Agravo (ARE) 1532603, cujo mérito ainda será julgado.

O objetivo é consolidar um entendimento uniforme que será aplicado em todas as instâncias do Judiciário.

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O advogado trabalhista Magnus Farkatt, em entrevista ao Portal Vermelho, alerta para os riscos da paralisação de milhares de processos, incluindo casos emblemáticos de setores como entregas por aplicativo e call centers. Para ele, o STF deveria se concentrar na uniformização do entendimento sem impedir que a Justiça do Trabalho siga atuando nos casos concretos.

De acordo com Farkatt, a questão central não é se a terceirização ou a contratação de PJs é lícita — isso já foi decidido pelo Supremo Tribunal Federal (STF), que considerou constitucional a terceirização de todas as atividades de uma empresa. O debate atual gira em torno de quando essa prática configura fraude à legislação trabalhista.

Magnus Farkatt, advogado trabalhista

“O que se discute é se determinados contratos de prestação de serviço que mascaram uma relação de emprego são válidos ou não”, explica Farkatt. Ou seja, o ponto-chave é identificar quando há uma simulação que esconde uma verdadeira relação de trabalho subordinado.

O que diz o STF: sobrecarga e insegurança jurídica

Segundo Gilmar Mendes, o STF tem sido constantemente provocado por empresas que alegam que a Justiça do Trabalho ignora decisões anteriores da Corte favoráveis à terceirização. Isso teria transformado o Supremo numa instância revisora das decisões trabalhistas.

“A reiterada recusa da Justiça do Trabalho em aplicar a orientação desta Suprema Corte tem contribuído para um cenário de grande insegurança jurídica”, escreveu o ministro em sua decisão. O único voto contrário ao reconhecimento da repercussão geral foi do ministro Edson Fachin, defensor da autonomia da Justiça do Trabalho nesse tipo de análise.

A visão crítica: suspensão atrasa justiça, afirma advogado

Magnus Farkat destaca que a pejotização é uma das questões mais complexas do direito do trabalho no Brasil. Por um lado, empresas argumentam que a prática oferece flexibilidade e reduz custos operacionais. Por outro, trabalhadores e sindicatos alertam para os riscos de precarização das relações de trabalho, com a retirada de direitos garantidos pela Consolidação das Leis do Trabalho (CLT).

“A suspensão dos processos, neste momento, apenas retarda a solução de conflitos latentes nessas relações”, critica Farkat. Para o advogado, a medida pode gerar ainda mais incerteza jurídica, especialmente para trabalhadores que buscam reconhecimento de seus direitos.

Enquanto o STF não define seu entendimento, empresas e trabalhadores enfrentam um cenário de indefinição. Para as empresas, a dúvida sobre a legalidade da pejotização aumenta o risco de passivos trabalhistas. Já para os trabalhadores, a suspensão dos processos pode significar um adiamento no acesso à justiça.

Para Magnus Farkatt e outros juristas com visão progressista, o ideal seria o Supremo garantir o prosseguimento dos processos em curso enquanto debate as teses jurídicas. “Suspender tudo sem oferecer uma solução imediata é ignorar a urgência de milhares de trabalhadores que buscam reconhecimento de seus direitos”, conclui.

Leia a entrevista com o advogado:

O que está em jogo quando falamos sobre pejotização nas relações de trabalho?

O que se debate, objetivamente, é se a contratação de uma pessoa física, que constituiu uma pessoa jurídica para prestar serviços a uma empresa, é lícita ou não. Essa prática, conhecida como pejotização, envolve empresas, geralmente de médio ou grande porte, contratando trabalhadores como se fossem prestadores de serviço, quando, na realidade, existe uma relação de emprego.

E como a decisão do Supremo Tribunal Federal impacta esse cenário?

O STF já decidiu que a terceirização de todas as atividades de uma empresa é constitucional. Isso significa que empresas podem terceirizar qualquer etapa de sua produção ou serviço, como faz, por exemplo, a Nike, que terceiriza quase toda sua produção. Isso é legal, desde que respeitados certos critérios.

Mas onde entra o problema da fraude?

O problema ocorre quando se utiliza a terceirização como fachada para ocultar uma relação de subordinação direta entre trabalhador e empresa. Ou seja, quando o trabalhador, mesmo atuando como pessoa jurídica, está submetido a ordens, horários e formas de organização impostas pela empresa contratante. Nesses casos, temos uma fraude à legislação trabalhista.

Então, a fraude se caracteriza principalmente pela subordinação?

Exatamente. Se a empresa determina como, quando e de que forma o trabalho deve ser feito, e o trabalhador não tem liberdade sobre isso, essa relação não é de prestação de serviço, mas sim de emprego. Ainda que haja um contrato formal entre duas empresas, essa formalidade não mascara a realidade jurídica dos fatos.

A discussão atual, então, não é sobre ser contra a terceirização?

Não. A terceirização está consolidada como prática lícita. O que está em discussão é a validade de certos contratos de prestação de serviço que são, na verdade, simulações para esconder vínculos empregatícios. A Justiça do Trabalho, ao analisar esses casos concretos, frequentemente reconhece a fraude e determina a existência de vínculo de emprego.

Como os empregadores têm reagido a essas decisões da Justiça do Trabalho?

Muitos empregadores não se conformam e recorrem ao STF por meio de reclamações constitucionais, alegando que a Justiça do Trabalho estaria descumprindo a decisão do Supremo que reconheceu a legalidade da terceirização. Pedem que o STF intervenha nesses casos.

E o que o Supremo decidiu mais recentemente?

O ministro Gilmar Mendes reconheceu que o tema da pejotização tem impacto nacional e está sobrecarregando o STF. Por isso, determinou a suspensão de todas as ações trabalhistas em andamento que discutem se um contrato de prestação de serviço é fraudulento ou não, até que o Supremo uniformize seu entendimento.

Quais são os pontos que o STF deve decidir agora?

São três questões principais:

1) Se a competência para julgar esses casos é da Justiça do Trabalho ou da Justiça Cível.

2) Quem deve provar a fraude na contratação: o empregado ou o empregador.

3) Se a contratação de pessoas jurídicas individuais ou microempreendedores é uma forma lícita de terceirização.

Como a Justiça do Trabalho trata hoje a questão do ônus da prova?

A Justiça do Trabalho entende que quem deve provar que a contratação foi lícita é o empregador, porque ele é quem tem acesso às informações e aos meios de prova. Esse entendimento está, de certa forma, pacificado no meio jurídico trabalhista.

E qual é a sua opinião sobre a suspensão das ações trabalhistas determinada pelo STF?

Eu, assim como outros advogados trabalhistas de perfil progressista, considero essa suspensão extremamente inoportuna. Ela só atrasa a resolução de conflitos reais e urgentes entre trabalhadores e empresas. Defendemos que essas ações devem seguir seu curso normalmente até que o Supremo tome uma decisão definitiva.

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