Agostini nos mostra um Brasil que os livros de História não alcançam

Agostini denuncia em seus desenhos que até os animais tinham direito à uma sociedade protetora, enquanto os negros eram tratados como produtos descartáveis, desumanizados, de fácil substituição

O ítalo-brasileiro Angelo Agostini é a cara do Brasil que se construía no ocaso do Império, país da chegada maciça de imigrantes e do desmonte de uma estrutura de nação apoiada na cana e na escravidão que passaria a viver uma industrialização tardia…

O humor de Agostini, primeiro na revista paulista O Cabrião e depois na carioca Revista Illustrada, representam o Segundo Reinado numa riqueza de detalhes que nenhum livro didático ou teórico de nossa História conseguiu fazê-lo até agora, arrisco dizer. É nos traços dele que veremos a representação do carnaval, das crises sanitárias, da Guerra do Paraguai e da luta contra a escravidão.

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Joaquim Nabuco, então deputado e um dos defensores destacados da República, dizia que a Revista Illustrada era a bíblia dos que não sabiam ler. Exposta nas bancas de jornais e similares da época, ofertavam a possibilidade da leitura por ilustrações para os que nem eram alfabetizados, isso quando os analfabetos eram a larga maioria da população, conforme dados de censo feito no Segundo Reinado publicados no jornal A Província de São Paulo.

É na Revista Illustrada que encontraremos ilustrações e textos que documentam a escravidão de orientais que ocorreu no Brasil, algo que ainda precisa ser mais e melhor estudado, que aconteceu entre a utilização da mão de obra escrava indígena e de negros africanos. É escrevendo e desenhando sobre a escravidão dos negros que a Revista se torna tão relevante nesse período, chegando a ganhar uma exposição da sociedade abolicionista do Rio de Janeiro com as ilustrações da publicação sobre a temática. Numa época de tão poucos leitores, a Revista alcança o expressivo número de 3 mil assinantes na então capital do país.

Mas não se enganem, Agostini se engajou na luta pela abolição de maneira pragmática, no começo a Revista Illustrada tratou os negros de maneira jocosa e preconceituosa, só mudando em meados do Segundo Reinado, passando a entender que o Império ruiria com o fim da escravidão. Crítico agudo de Dom Pedro II, o desenhista passou também a dar voz às denúncias e aos maus tratos que aconteciam contra os escravos negros, o fez em desenhos minuciosos, que mostravam a crueldade de uma maneira que chocou a sociedade da época e ajudou na construção do caminho pela abolição.

A Constituição no Segundo Reinado sequer tratava os negros como humanos, eram percebidos apenas como mercadorias, Agostini denuncia em seus desenhos que até os animais tinham direito à uma sociedade protetora, enquanto os negros eram tratados como produtos descartáveis, desumanizados, de fácil substituição. O autor mostrou em seus traços cada nuance da crueldade da escravidão, amplificando ao máximo as denúncias, ao ponto de incomodar o Império que buscou de todas as maneiras formas de expulsá-lo do país.

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Esse traço único de Agostini, permite aos que admiram até hoje o publicado na Revista Illustrada, ter acesso a desenhos que nos mostram de maneira mais realista como era Dom Pedro II, Joaquim Nabuco, Rui Barbosa e várias outras figuras proeminentes na política da virada do Império para a República. Nos dá também acesso ao que acontecia na América Latina e no mundo na época, além de os desenhos de Angelo Agostini dividirem as páginas da Revista com textos de Aluísio Azevedo, Visconde de Taunay e outros nomes proeminentes de nossa literatura.

Ao fim do Império, Agostini tinha se ido para Europa, voltaria nos anos iniciais da República, mas a Revista Illustrada nunca mais seria a mesma, transformando-se numa espécie de panfleto de defesa do novo governo que se formou e chegando a se colocar absurdamente contra o voto das mulheres… caminhando para seu fim, em grande parte por ter perdido o motivo de existir. Afinal, como diz Millôr Fernandes, não existe humor a favor.

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