Bolsonaro no fundo do poço (ou da fossa) e a renúncia
A fisionomia de Bolsonaro no vídeo de anúncio da exoneração de Weintraub era o espelho real do seu decadente governo. Era a expressão de quem chegou ao fundo do poço, ou da fossa, já que o que vem se revelando é digno de comparação com material de esgoto.
Publicado 22/06/2020 11:59

O Capitão passou a sofrer um processo crescente de isolamento político a partir das primeiras manifestações em seu apoio e contra os outros dois Poderes da República, em fevereiro. Quanto mais se isolava, mais elevava o tom, utilizando os militares ministros como escudo e chamando para a rua a horda de apoiadores fanatizados. As ameaças de ruptura da ordem institucional e de utilização da força militar contra o Judiciário e o Congresso passaram a ser uma constante.
A saída de Sergio Moro acusando-o de tentar interferir na Polícia Federal levou à abertura de mais um inquérito no Supremo, sob a responsabilidade de Celso de Mello. O Ministro quebra o sigilo do vídeo da reunião ministerial, apontado por Moro como prova da acusação, mas isto não tem o impacto de abalar as bases de Bolsonaro. Sentindo-se fortalecido, dobra a aposta, elevando o tom das ameaças. Com o avanço do inquérito das fake news e a tendência de compartilhamento de informações deste com os processos de impugnação da chapa presidencial, que correm no TSE, passa, junto com os ministros militares, a fazer ameaças explicitas de intervenção militar, a partir de uma interpretação distorcida e descabida do art. 142 da Constituição. Utilizam-se, para dar ares de constitucionalidade, de parecer de Yves Gandra.
À medida que elevou o tom, uma série de torpedos simultâneos são disparados contra a família presidencial e sua base ideológica. A delação do empresário Paulo Marinho não só reforça a denúncia de Moro de relações espúrias com setores da Polícia Federal, como também expõe as disputas internas do círculo próximo do clã. As torcidas organizadas rompem o isolamento social defendendo a democracia, neutralizando os manifestantes antidemocráticos e retirando-lhes o monopólio das ruas. Vários manifestos em defesa da democracia, passando de 300 mil signatários, vêm a público. Alexandre de Moraes, ministro-relator de dois inquéritos que tiram o sono dos ocupantes do Planalto – o que apura a disseminação de fake news e ameaças a ministros do tribunal e o que investiga a organização de atos antidemocráticos que pedem fechamento do STF, do Congresso e intervenção militar – desencadeia operação de busca e apreensão e fecha o cerco às milícias bolsonaristas e ao gabinete do ódio. Os alvos são empresários, blogueiros, youtubers e até parlamentares da base ideológica do governo. É decretada a prisão temporária da ativista Sara Giromini, conhecida como Sara Winter, e o acampamento de extremistas, na Esplanada dos Ministérios, é desmantelado.
Bolsonaro sente o golpe e não comparece mais às manifestações antidemocráticas. Ao tempo em que sinaliza ao Supremo intenções de armistício, restringe suas aparições públicas ao encontro com os fanáticos do cercadinho do Alvorada e avança nas tratativas e distribuição de cargos ao Centrão. As ameaças abertas de uso da força são trocadas por declarações dúbias nestes encontros como “’Está chegando a hora de tudo ser colocado no devido lugar”; “Não vou ser o primeiro a chutar o pau da barraca” e; “É igual a uma emboscada. Tem que esperar o cara se aproximar, vem mais. Vem jogando ovo, pedra. Chega mais, chega mais (…) Não quero medir forças com ninguém, (mas) continua vindo”.
Mesmo a contragosto, em mais uma sinalização de intenção de armistício, Bolsonaro concorda até mesmo em exonerar Weintraub. Tudo, no entanto, vira de cabeça para baixo na última quinta-feira. Os tele e webjornais amanheceram anunciando a prisão de Fabrício Queiroz, que se encontrava escondido em uma casa em Atibaia, São Paulo. O Presidente sai às pressas do Alvorada e sequer para no cercadinho para o encontro diário com os seguidores. No Planalto, passa o dia em reunião com seus ministros mais próximos e suspende toda a agenda, exceto para gravação do hilário vídeo com Weintraub. A sua única aparição, além do vídeo, foi a live noturna onde fez uma desastrada defesa de Queiroz.
A trama que envolve a ocultação de Queiroz, assim como todo o enredo que vai se revelando no inquérito investigativo, é digno de um roteiro hollywoodiano. Do esconderijo, no interior de São Paulo, o ex (ou ainda) homem forte da família Bolsonaro, comandava desde uma complexa operação de obstrução de justiça, no caso das rachadinhas, até furtivos contatos com o comandante do Escritório do Crime, o Capitão Adriano – aquele mesmo que dirigia a milícia à qual pertencia Lessa, assassino de Marielle Franco –, e que foi morto na Bahia em operação policial destinada à sua captura. Tanto as operações de obstrução quanto os contatos com o miliciano contaram com a participação direta de advogado constituído por Flávio Bolsonaro, o Botto Maia. A mulher de Queiroz, outra bomba-relógio para os Bolsonaro se encontra foragida. E o mais bombástico dos fatos: a casa onde Queiroz se escondia há mais de um ano pertence a Frederick Wassef, o sinistro advogado de Jair e Flávio Bolsonaro. Sinistro, em especial, por seu passado obscuro, que revela inclusive envolvimento com seita de culto satânico. O “sinistro” passa a ser outra bomba-relógio no colo do Capitão.
O primeiro movimento palaciano e do próprio Bolsonaro é óbvio, abafar o caso e tentar blindar a presidência e o próprio Presidente. A visita dos três ministros do setor jurídico a Alexandre de Moraes parece fazer parte desta estratégia. O silêncio dos ministros militares, sempre a postos para escorar Bolsonaro nas crises que ele próprio produz, bem como o silêncio dele mesmo, são sinais claros e fortes de que o caso provocou uma crise palaciana profunda e tende a se agravar ainda mais. Nos dois últimos dias fatídicos para Bolsonaro na semana passada, vem à tona, por meio de articulistas da imprensa, que nos bastidores, entre os participantes militares do governo, discute-se a possível formação de um ministério de notáveis para salvar o governo.
Tal proposta, no entanto, esbarra em três questões intransponíveis. A primeira é que nem Mandetta, Teich e Moro, que não eram tão notáveis assim, sobreviveram no governo. Quais notáveis sobreviveriam? Segunda, diante do agravamento da crise sanitária, econômica e social e dos sucessivos escândalos provocados pelo próprio Bolsonaro, qual notável, com um mínimo de apreço pela respeitabilidade que construiu, aceitaria participar deste governo? Terceira, a implementação desta proposta seria uma declaração de guerra à chamada ala ideológica e à família Bolsonaro, consequentemente ao próprio. Portanto, só poderia ser interpretada como uma sinalização de proposta de pacto da ala militar às elites brasileiras de reconstituição do governo sem Bolsonaro. Assim, se o livro de apostas estiver aberto, cravo que a alternativa de renúncia do atual Presidente para a saída do tsunami de crises que atinge o governo é a mais forte que se discute nos porões do Planalto