Pauta eleita

“A onda tá boa, favorável. Mas que ninguém se iluda: nada está ganho”

Foto: RIcardo Stuckert

Noite no centro de São Paulo, cidade insone. Pagaram a conta, deixaram o bar. No rumo da estação do metrô mais próxima, pessoas acomodam a família e os cães sob marquises, caixas de papelão improvisando quartos. Algum comércio aberto. A maioria, no entanto, portas cerradas.

Numa mesa de calçada, espoca o nome do atual presidente da combalida República brasileira. O grupo para, fingindo uma súbita vontade de fumar.

– Tô dizendo: vai dar Lula no primeiro!

– Vai nada. Vai ter segundo turno e Bolsonaro vai ganhar. Se não ganhar, dá golpe, e ganha do mesmo jeito.

– Sai pra lá, gorento!

– Né que eu quero que ele ganhe não, mas vai ser assim.

– Bidú você agora?

– Cê acha que os americano e os milico vai deixar Lula ganhar, ô meu?

– Ih… que ano, que ico! Lula vai ganhar e ponto. E de primeira.

Vendo que a conversa não saía disso, tocaram o bonde.

Parece que todo mundo anda ligado no momentoso assunto: eleição. Eleição é pauta – no boteco, no busão, no trabalho, na cozinha da Dona Maria, na sala de Seu João.

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Ganha ou não ganha no primeiro turno? E essa mistura de lula com o chuchu, prato da moda? E como fica em São Paulo: quem será o vice? O governador, longe da polarização nacional, sem palanque forte de presidente em que se agarrar, vive dificuldades… mas ainda é competitivo à vera. E o candidato do facinoroso fascista? Casou com o Kassab e voltou a deitar loas ao padrinho miliciano, mas a vida dele, se não está impossível, fácil também não está. Já Haddad, sob as bençãos de Lula e Alckmin, e com o apoio de Márcio França, lidera as pesquisas.

No Nordeste e no Sudeste do Brasil, deputados da banda conservadora, candidatos à reeleição, andam a avisar os presidentes de suas legendas que, se não forem de Lula, não se elegem.

– Libera aí, meu presidente!

De volta a São Paulo, a empregada chega todo o dia na casa de Seu João reclamando do pastor.

– E você? Por que não contesta o homem?

– Ele diz que é desobediência, pouca fé. Mas tô é chite pra ele. Meu voto é Lula.

Na cozinha, picando alho, Dona Maria pergunta:

– Filho, que história é essa que Lula vai fechar as igreja?

– Senhora acredita nisso, mãe?

– Eu não. Mas um monte de besta acredita.

– E a senhora diz o que pros besta?

– Que tá caro o gás, a carne, a gasolina, e que no tempo de Lula a gente podia até viajar.

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Restaurante na região da Avenida Berrini, ponto empresarial de São Paulo:

– Tem jeito não: vou votar no cara.

– Cê tá doido, Carlos Eduardo?

– Me dá uma opção.

Silêncio constrangido do sócio.

– Tem jeito não, Carlos Henrique: vamos todos ter que votar no barbudo. Até você.

Reunidos nos diferentes pontos do Brasil, os “adeptos do credo vermelho”, no entanto, alertam:

– A onda tá boa, favorável. Mas que ninguém se iluda: nada está ganho. Esses marginais da banda fascista não têm escrúpulos: farão o que podem e o que não podem para obstar o caminho do povo. Não podemos errar: é frente ampla, ampla e ampla. É unir mais e mais do lado de cá e isolar o traidor da pátria e inimigo do povo na margem de lá. E é por gente na rua, reclamando pão, casa, emprego, democracia e um Brasil independente, orgulhoso, soberano.

O camarada abre a porta da casa silenciosa. Todos dormem. Transpõe o limiar, chaveia com duas voltas a entrada de sua morada, esvazia os bolsos e vai direto para o quarto do mais novo. Lá estão treze anos de afeto enrolados em cobertas. Apanha o travesseiro do chão e acomoda a cabeça do filho. Na saída, recolhe com cuidado, quais armadilhas, roupas e tênis espalhados. E pra se encher de ainda mais ternura, passa pelo quarto da mais velha, que ressona baixinho.

No banho, recompõe a jornada e a noite bebida. Na cama, deitado ao lado da companheira mais que amada, adormece convicto de que, amanhã, vai ser outro dia.

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