Tentativa de punir Alexandre de Moraes: uma acusação sem embasamento jurídico

Reportagem tenta criminalizar atos legítimos do ex-presidente do TSE, mas análise jurídica mostra que não há base legal para punição nem irregularidade comprovada.

Foto: Gustavo Moreno/STF

Recentemente, a atuação do ministro Alexandre de Moraes, quando presidente do Tribunal Superior Eleitoral (TSE) durante as eleições de 2022, voltou ao centro do debate público. A partir da publicação de uma reportagem de um determinado veículo de comunicação da grande imprensa, sugerindo que Moraes teria acionado, de forma não oficial, órgãos da Justiça Eleitoral para a produção de relatórios técnicos que fundamentaram decisões no Supremo Tribunal Federal (STF), surgiram questionamentos quanto à legalidade de sua conduta. No entanto, uma análise criteriosa do caso como será visto a seguir, revela que não há qualquer fundamento plausível nesta acusação sem fundamento.

Em primeiro lugar, é importante destacar que a atuação do ministro seguiu rigorosamente as prerrogativas institucionais conferidas ao presidente do TSE. De acordo com o artigo 23 do Código Eleitoral (Lei nº 4.737/1965), cabe justamente ao TSE tomar todas as providências necessárias para garantir a normalidade e a legitimidade do processo eleitoral, o que inclui a requisição de informações e relatórios de órgãos técnicos vinculados à Justiça Eleitoral. Assim, a solicitação de relatórios, mesmo sem tramitação formal em processos judiciais, configura-se como um procedimento administrativo legítimo, destinado à coleta de subsídios para decisões complexas.

Além disso, a Constituição Federal de 1988 confere ao Poder Judiciário, e em especial aos tribunais superiores, ampla autonomia administrativa e jurisdicional. Para Canotilho (2019), a independência funcional dos magistrados é um dos pilares do Estado Democrático de Direito, sendo vedada qualquer ingerência indevida sobre o modo como juízes buscam informações. Neste contexto, os relatórios solicitados por Moraes constituem instrumentos típicos de gestão administrativa e jurisdicional, não representando violação a normas legais ou constitucionais.

Outro aspecto que merece atenção é a natureza dos relatórios produzidos. Para Batini (2023), esses documentos integram a rotina de prevenção e monitoramento do processo eleitoral, sendo elaborados por equipes técnicas para subsidiar decisões estratégicas dos órgãos da Justiça Eleitoral. Tais relatórios não possuem, por si só, caráter decisório, mas informativo. Portanto, a crítica de que a produção de tais materiais configuraria abuso de poder não se sustenta diante da função institucional que cumprem.

A narrativa que busca criminalizar a atuação do referido ministro também ignora que o contexto eleitoral de 2022 foi marcado por um ambiente de intensa desinformação e ataques sistemáticos às instituições democráticas. Conforme apontou o Relatório da Missão de Observação Eleitoral da Organização dos Estados Americanos (OEA, 2023), o TSE e seus membros atuaram de forma firme e legítima para assegurar a integridade do processo eleitoral, combatendo práticas antidemocráticas como a disseminação de fake news e tentativas de deslegitimação do pleito.

Aliás, a própria jurisprudência do STF e do TSE reconhece a possibilidade de os magistrados, especialmente em contextos sensíveis como o das eleições, requisitarem informações e produzirem diligências de ofício, sempre que isso se mostrar necessário à justiça.  Ainda que se cogitasse eventual impropriedade formal na requisição dos relatórios — hipótese remota —, isso não seria suficiente para caracterizar algo passível de punição.

Importante também é perceber que a tentativa de punir Alexandre de Moraes se insere em uma estratégia política mais ampla de deslegitimação das instituições judiciais, em especial do STF. Como analisam Zanin e Bercovici (2023), há um movimento crescente de setores políticos que, derrotados nas urnas, buscam enfraquecer o Judiciário por meio de ataques infundados, colocando em risco o equilíbrio entre os Poderes e a própria estabilidade democrática.

Nesse cenário, cabe reforçar que os sistemas democráticos modernos pressupõem a confiança na imparcialidade e na responsabilidade das instituições. Bobbio (2018) mostra como a força da democracia reside justamente na capacidade de suas instituições operarem com autonomia, sem se dobrarem a pressões políticas ou autoritárias. Assim, as decisões do então presidente do TSE, devem ser avaliadas com base em critérios jurídicos objetivos e não segundo motivações outras.

A tentativa de transformar uma atuação técnico-jurídica em caso de abuso revela, portanto, mais sobre os acusadores ilegítimos do que sobre a legalidade dos atos praticados. Vale ressaltar ainda que não há, até o momento, qualquer decisão judicial que tenha reconhecido irregularidade ou ilegalidade na referida conduta. O próprio Conselho Nacional de Justiça (CNJ), órgão responsável pela fiscalização disciplinar da magistratura, não instaurou qualquer procedimento sobre o caso, o que reforça a ausência de fundamentos jurídicos para a tentativa de punição.

Portanto, a acusação contra Alexandre de Moraes carece de qualquer sustentação jurídica sólida, sendo impulsionada, sobretudo, por interesses políticos que buscam desestabilizar as instituições democráticas brasileiras. A atuação do ministro, ao contrário do que sustentam seus críticos, foi legítima, necessária e condizente com os deveres institucionais inerentes ao cargo que ocupava. Ou seja, preservar a autonomia do Judiciário é proteger a própria democracia, impedindo que interesses escusos de alguns comprometam a solidez do Estado de Direito que tanto custou (e ainda custa) a ser construído no país.

Referências

BOBBIO, Norberto. O futuro da democracia: uma defesa das regras do jogo. 12. ed. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 2018.

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito constitucional e teoria da Constituição. 7. ed. Coimbra: Almedina, 2019.

MARINONI, Luiz Guilherme. Teoria geral do processo. 4. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2022.

OEA – ORGANIZAÇÃO DOS ESTADOS AMERICANOS. Informe preliminar da Missão de Observação Eleitoral – Brasil 2022. Washington, D.C.: OEA, 2023. Disponível em: https://www.oas.org. Acesso em: 08 maio 2025.

PELLEGRINI GRINOVER, Ada et al. Jurisdição e competência. 11. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2021.

SILVA, Silvana Batini. A atuação da Justiça Eleitoral no combate à desinformação. Revista de Direito Eleitoral, Belo Horizonte, v. 5, n. 2, p. 113-135, 2023.

ZANIN, Cristiano; BERCOVICI, Gilberto. O Supremo Tribunal Federal e a defesa da democracia. Revista de Direito Constitucional e Internacional, São Paulo, v. 31, n. 4, p. 20-38, 2023.

As opiniões expostas neste artigo não refletem necessariamente a opinião do Portal Vermelho
Autor