O teto abobadado da capela pareceu cúmplice à ordem de banir das ruas qualquer trama subversiva. O rosto curvo do anjo barroco, com olhos inocentes dando conta de nichos escondidos, também vazou os olhos expectantes de Urbino. A velha varrendo a cantaria do piso, tinha o rosto da mesma cor das pedras sob seus pés; rosto e pedras amarelos, doentios feito chagas rotineiras, proibidas de cicatrizar-se.
A chuva, de tão grossa, dir-se-ia raivosa; tão raivosa quanto os tempos. Àquela altura da noite, nove horas, nem por isso o trânsito se tornou ralo na Avenida Caxangá. O único benefício, carece dizer, era conversar sem baixar tanto o tom da voz. O ruído do aluvião acumpliciou-se à conversa, ao assunto, visto que o balbucio, inda que mudo, era urdume do tinhoso para cobrir de chamas a paz dos generais.
As luzes do corredor do shopping incidiram no brocado de Teresa; um brocado azul com desenhos de flores, de cima a baixo, tão luzentes quanto os refletores embutidos nas paredes do shopping. Ela não piscou nem contraiu as pálpebras, visto que, de uns tempos para cá, sua vida se cercara de luxo e de olhos prenhes de cobiça.
Deu-se que os sinos da igreja tocaram simultâneos. Àquela hora, oito da manhã, o resíduo do vento, na madrugada, conservava a frigidez morna em toda a calçada, principalmente nos batentes de pedra de cantaria, nas quatro portas de madeira entalhada.
Certo barbeiro de nome Miguel resolveu romper a sociedade com outro do mesmo ofício; depois de vinte anos juntos, dividindo o aluguel da sala, bem como as despesas com água e luz.
A multidão ruidosa pôs-se a ruir com estrondo, tão logo se deu conta do choro no rosto de Chico Pedrosa. O velho Chico não está estrábico. Os olhos miúdos abrigam-se nos óculos de aros pretos, lentes fumaçadas. Forçam-no, as lentes, a apontar nos rostos, mirando-os para – pum! – detonar um verso tão telúrico quanto sua voz incauta feito cobra se arrastando na capoeira rala. Não está na capoeira,
Outro dia encontrei Pacajus na Praça do Carmo; sentado sob o oitizeiro onde, conforme me disse, namorara Santina. Inquiri de sua viuvez precoce.
Dona Finha não mora mais no quarto nos fundos do casarão construído pelo coronel; fora mandada para lá, para acudir-se do sopro vindo do rocio doentio, o mesmo que o coronel espreitara em sonho, prevenindo-o da morte súbita caso fungasse o cheiro da roça de mistura com o vinhoto extraído da cana. A velha, ainda com apuro no olfato, não amofinou-se de agouros.
A tarde não caiu feito um viaduto, acinzou-se até sumir de vez. As paredes da Colônia Penal, já cinzentas de sentenças, juntaram-se à velhice da hora; cúmplices, renderam-se às espreitas a um oficial de justiça de rosto incerto, tão incerto quanto o sol que não olha as enxovias.
As cinzas do coronel foram jogadas do Alto da Maravilha, para onde se mudara uma semana antes.
Não é tão largo o Arouche. Uma vintena de moços, ali, estremece de uma emoção tão própria quanto os trejeitos. Os trejeitos, diga-se, alegres, ruidosos, roçam a cólera. Pouco, nada se lhes dão no fato de que o boa-noite de Fátima Bernardes é uma firula que oculta a alegria colérica do Arouche.
Steeve Mcqueen, diretor de Shame, não glamouriza o sexo em seu filme; também não tem pruridos em mostrá-lo. A começar da sequência inicial. Brandon – Michael Fassbender – surge nu, deitado na cama de casal. Como se não bastasse o formato da cama dando conta da inquietação sexual que caracteriza seu perfil, a nudez é flagrada como a busca da permanente satisfação pelo sexo.