Girimunho é um filme que está nos limites entre o documentário e a ficção. Como documentário, não tem o impacto de uma revelação, mas entranha-se de tal modo na rotina prosaica da pequena São Romão – sertão de Minas Gerais -, que desnuda-lhe a alma. A vila é banhada pelo rio São Francisco. Ao invés de cobri-la com o sopro úmido de mistura com o lume da lua fogosa, o rio acolhe a memória de moradores antigos. O rio tem a confiança da velha Bastu – Maria Sebastiana, 83 anos.
Não é malsã, a pequeno-burguesa. Intui-se como tal – sem fins daninhos – para se prevenir dos riscos da vulgaridade; tanto a de baixa extração quanto a de presunçosa fidalguia. Bem como para escapar ao cerco da ostentação sem rebuços. Como seu ombro fino, que ela esconde sob um véu transparente que deixa entrevê a pele e não se desnuda para o vulgo.
Penoso, crucial. As poltronas, tão juntas quanto alheias à separação de quem lhes ocupasse o assento, o encosto. Assim, o cineasta sentou-se ao lado da atriz.
Inda que não tivesse os lustres de cristal, o teto com moldes de artemísias em alto-relevo, sugeria leveza de gestos, balbucios entrecortados; entre um ramo e outro, vestais com seios e ventre cobertos, coxas movendo-se e um dos braços esticado, o dedo em riste para tocar noutro, também juvenil, de moço com intenções nubentes.
Sabia que o delírio da febre prostraria-o por uma noite. Os sintomas, sentiu-os logo que desligara a plaina. O cabeçote fez o último recuo sobre a barra de aço oleada.
A canoa encostou-se ao barreiro às cinco da tarde. A proa ocultou-se entre a ramagem de capim-agreste.
As paredes do casebre não davam conta de conter os ruídos. As telhas, juntas sobre ripas e caibros nus, aqui e ali com rachaduras e pontas quebradas feito bocas sem dentes.
Tão somente uma vez Cipriano Vaz Permanente fora inexato com a esposa; quando não admitira a suspeita de que tinha uma amante. Ter uma amante numa cidade de rotina pachorrenta, é tão desusado quanto ouvir o pio da coruja sob a luz parda do sol que começa.
Por quarenta anos o escrivão Dagoberto ocupou-se em lavrar escrituras de casas, certidões de óbitos, de casamentos; não só deu conta do jargão próprio do ofício, como talhou a escrita de forma tão arredondada que se assemelhava às curvas do frontal barroco da igreja; ali mesmo perto do cartório.
O tapa que o marido lhe dera deixou-a mais apreensiva que dorida. Embriagado, ele enchera-se de autoridade sobre os direitos que tinha sobre a mulher. Apesar da dor, ela não gemera; cobrira a face com a mão direita. Ninguém na casa além dos dois, mas a mão servira para esconder a vergonha. Levantou-se com a mesma rapidez da queda, e só tirou a mão do rosto para segurar a filha no berço, sair apressada para a casa da mãe.
O som dos sinos àquela hora, junta-se ao tropel das ondas; repiques agudos, engolidos pelo choque das águas no dique de pedras. A beira-mar há muito sumira sob a frequente preamar. Duas dezenas de velhas acomodam-se nos bancos da Igreja dos Milagres.