No meio da Ladeira da Misericórdia, ela olhou para trás; apoiou-se na parede de uma das casas, sentindo falta de um corrimão. Da altura, ajuizou com precisão o ralo vaivém nos Quatro Cantos. Apreciara, nos quatro dias, a carneação pagã de moços imberbes, gays e lésbicas nutrindo-se na alforria própria.
Com o juízo trôpego e sem calos nas mãos, o operário seguiu a avenida a pé. Os pés, sim, tinham o solado duro, seco. Já andara feito um romeiro à cata de ocupação; não um romeiro sem rumo, crendo-se banhado com a untura de óleos divinos. Mas um romeiro de estômago quase vazio, à espreita de um salário que, mínimo que fosse, daria conta de uma refeição decente, farta de sustância.
Inda que fosse insano, o juízo de Roni não daria conta de um cálculo tão ruim para a família. O pai, um velho de setenta anos, ainda com prumo nos pés; nos pés e nas mãos para cavar com a enxada o caminho de acesso ao casebre. Vizinha a um riacho de água corrente, a morada estava sempre cercada de mato selvagem. Nas chuvas, o reboco de cada um dos quatro lados, deixava escorrer o massapê rachado no verão. Ele o cobria com o barro escuro tirado dali mesmo, nos limites da água escura do riacho.
Quando a caixinha de natal é posta na extremidade de um balcão, sobretudo no lado onde poucos se debruçam ou põem os cotovelos, há no jeito um modo tímido de abiscoitar o níquel dos outros. Inda que encoberta por um papel com desenhos floridos, uma estrela sem lume no papel fosco, com salpicos de excrementos de insetos, todo o visual apequena a ambição de pecúnia no escuro do nicho.
O conde Liev Tolstói tinha 27 anos quando escreveu a trilogia que narra parte da guerra da Crimeia. O cenário é Sebastopol; a cidade é bonita, mas antes de tudo é celeiro da marinha do império russo. Tolstói se alistara como tantos outros moços, filhos da aristocracia russa. Quiçá, como os demais, nutrindo o sonho de pendurar no peito a medalha de São Jorge.