Rejeição feminina leva campanha de Bolsonaro a cogitar ataques a Janja

Esposa de Lula, a socióloga vem sendo monitorada para exploração de eventual deslize que prejudique a campanha de Lula em relação ao público feminino.

Lançamento do livro com cartas enviadas a Lula na prisão. Foto de Ricardo Stuckert

Rosângela Silva, a Janja, e Michelle Bolsonaro ocupam papel central numa campanha eleitoral em que o voto feminino pode ser decisivo. A franca vantagem do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva entre as mulheres tem levado a campanha de Jair Bolsonaro a buscar meios pouco ortodoxos de recuperar ao menos as eleitoras evangélicas que tem perdido.

As mulheres representam 53% do eleitorado, pouco mais de 82,3 milhões, faixa em que a popularidade do presidente da República não vai nada bem. As pesquisas mostram que perto de 50% das mulheres votariam em Lula e apenas cerca de 25% escolheriam Jair Bolsonaro, independente da classe social e perfil. Além disso, 2022 traz a novidade da enorme demanda por representatividade feminina na política.

Segundo o colunista de O Globo, Lauro Jardim, a campanha de Jair Bolsonaro persegue os passos de Janja, a esposa de Lula. A cúpula da campanha de reeleição do presidente conspira contra eventuais deslizes que poderão ser explorados contra Lula.

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A socióloga tem sido bastante ativa na campanha do candidato. Demonstrações explícitas de afeto entre os dois nos palanques são vistas com simpatia pelo eleitorado feminino e trazem um tom afetivo e emocional que falta ao bolsonarismo, sempre identificado com atentados violentos, manifestações antidemocráticas e ausência de demonstrações de solidariedade do presidente com as tragédias humanitárias da pandemia e da fome. 

Recomeço e energia

O casamento de Lula e Janja, em junho, também causou furor nas redes sociais, para mostrar que o ex-presidente tinha o direito de recomeçar sua vida de forma romântica e apaixonada. Lula enfatizou energia, saúde e juventude de espírito naquele episódio. 

Segundo levantamento do Google Trends, que monitora as tendências entre os termos buscados na ferramenta, o interesse da população por Lula naquele dia foi quase o triplo do interesse por Jair Bolsonaro. 

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Os comentários sobre o vestido da noiva, feito por bordadeiras do Rio Grande do Norte, foram de que Lula e Janja prestigiaram as trabalhadoras e também o produto nacional.

Antes disso, no entanto, as manifestações sobre Janja, na imprensa, são quase sempre dúbias, alimentando uma impressão negativa sobre a socióloga. Atribui-se a ela, de forma indireta e sutil, intromissão na campanha do marido. Janja coleciona experiência em assessoria de comunicação. 

Foi assim com relação à presença de famosos no casamento, que Bolsonaro explorou dizendo que só tinha “gente boa” no casamento, “não quilombolas ou invasores de terras”. 

Eventuais opiniões dela sobre a campanha também são tratadas como impróprias, embora ela seja uma das assessoras de agenda do presidente. Espera-se que Janja seja apenas “usada” na campanha como se faz com Michelle, que segue um roteiro mecânico numa campanha em que as mulheres são sempre tratadas como enfeites de palanque.

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Imagens opostas

Diferente de Michelle Bolsonaro que resiste aos holofotes e tem sido cuidadosamente treinada para participar mais da campanha, Janja está sempre presente nos compromissos, expondo seu ponto de vista politizado, progressista e o carinho explícito por Lula.

Foi Janja quem articulou e apresentou, no lançamento oficial da pré-candidatura, o conhecido jingle “Lula lá”, em nova versão cantada por artistas famosos. Era seu presente de casamento.

A primeira-dama, que conta com a poderosa máquina governamental, fez sua estreia na campanha em cadeia de rádio e televisão, convocada para transmitir uma mensagem pelo Dia das Mães. Michelle falou sobre as virtudes e os desafios de ser mãe. As aparições de Michelle são destacadas nos eventos, sempre com um tom conservador e delicado. 

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Bolsonaro consolidou sua fama de “tosco, grosseiro e machista” durante a campanha de 2018, quando o então candidato Geraldo Alckmin apresentou em uma de suas propagandas um vídeo com cenas de Bolsonaro agredindo verbalmente uma deputada e uma jornalista. Essa impressão saiu da bolha progressista e chegou ao público mais amplo durante a pandemia, e se mantém com a inflação dos alimentos, e a campanha espera que Michelle amenize com seu personagem de mãe, esposa e evangélica.

O risco é que a abordagem focada na religiosidade acabe exercendo efeito oposto. Além de não conseguir sair da bolha evangélica, Bolsonaro talvez consiga apenas amenizar a imagem desgastada entre as mulheres, sem avançar no eleitorado.

Foto: Ricardo Stuckert

Épico romântico

O casamento de Lula e Janja expôs várias faces de uma narrativa romântica. Recentemente, o lançamento de Querido Lula: cartas a um presidente na prisão (Boitempo Editorial), trouxe o lado comovente do amor que cresceu entre os dois, a partir das vigílias em Curitiba, enquanto o ex-presidente esteve preso na Superintendência da Polícia Federal do Paraná. Eles se relacionam desde abril de 2018.

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Mas a trajetória dela não começa na sombra de Lula, ela tem uma carreira sólida no setor de energia. A paranaense ingressou no curso de ciências sociais na UFPR, ainda em 1990, e se especializou em História na mesma instituição. Depois se especializou em Gestão Social e Desenvolvimento Sustentável, pela Universidade Positivo. Trabalhou em uma empresa de engenharia da Usina Hidrelétrica de Barra Grande.

Filiada ao PT desde 17 anos (1983), fez carreira na Itaipu Binacional a partir de 1º de janeiro de 2005. Na hidrelétrica, atuou como assistente do diretor-geral e coordenadora de programas voltados ao desenvolvimento sustentável. Entre 2012 e 2016, ela atuou como assessora de comunicação e relações institucionais da Eletrobrás, no Rio de Janeiro. Em 2016, voltou à Itaipu, onde se aposentou em janeiro de 2020.

Entre suas pautas estão a proteção dos animais e o direito das mulheres, como já manifestou nas redes sociais. Ela e Lula têm uma cachorrinha chamada Resistência. Falas de Lula sobre alimentação saudável e defesa dos animais são consideradas como influência direta de Janja.

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“A gente sabe que a cara da fome do Brasil é a cara das mulheres, as mulheres que estão na linha de frente sofrendo junto com a família, buscando alimentação para seus filhos. Se eu puder contribuir em alguma coisa nessa campanha, nesse governo, que se Deus quiser tudo vai dar certo, vai ser justamente na questão da segurança alimentar voltada para as mulheres”, declarou ela numa agenda de Lula.