STF suspende julgamento que deve responsabilizar redes sociais por conteúdos

Com 8 votos a 2 pela inconstitucionalidade do artigo 19 do Marco Civil da Internet, Corte busca consenso sobre regras que plataformas deverão seguir para remover postagens ofensivas, antidemocráticas ou criminosas

Ministros do STF durante julgamento sobre responsabilização das redes sociais — Foto: Ton Molina/STF

O Supremo Tribunal Federal (STF) suspendeu nesta quarta-feira (25) o julgamento que trata da responsabilidade civil das plataformas digitais pelas postagens ilegais feitas por seus usuários. Com maioria de 8 votos a 2, a Corte já se posicionou contra o artigo 19 do Marco Civil da Internet, mas ainda precisa fixar a tese jurídica final, que servirá de diretriz para todos os tribunais do país.

A suspensão do julgamento foi anunciada pelo presidente do STF, ministro Luís Roberto Barroso, para que os ministros possam buscar um consenso sobre o conteúdo da tese, especialmente diante das diferentes sugestões de regime de responsabilização apresentadas nos votos. A definição final poderá sair já na sessão desta quinta-feira (26), caso haja acordo entre os magistrados.

Artigo 19 na berlinda

No centro do julgamento está o artigo 19 da Lei 12.965/2014 (Marco Civil da Internet), um retrocesso que estabelece que as plataformas só podem ser responsabilizadas por danos causados por conteúdos publicados por terceiros após ordem judicial específica para a remoção.

Segundo ministros que votaram pela inconstitucionalidade do dispositivo, essa exigência cria obstáculos para a proteção de direitos fundamentais, como a honra, a igualdade e a segurança, além de favorecer a impunidade na disseminação de discursos de ódio, fake news e incitação à violência.

O ministro Gilmar Mendes definiu o artigo como “ultrapassado” e defendeu que, em casos de conteúdo impulsionado ou anúncios pagos, as plataformas devem ser presumidamente responsáveis, por terem controle direto sobre esse tipo de postagem. Já Cristiano Zanin afirmou que o dispositivo “impõe às vítimas o ônus de acionar o Judiciário, mesmo quando a ofensa é evidente”.

O debate no plenário do STF girou em torno de equilibrar a liberdade de expressão com o dever das plataformas de evitar danos a terceiros. Para o ministro Flávio Dino, os provedores devem ser responsabilizados se não removerem conteúdos claramente ilegais após notificação extrajudicial da vítima — como ocorre em casos de racismo, ameaças ou apologia a golpes de Estado.

Já André Mendonça e Edson Fachin, únicos votos contrários à responsabilização direta, defenderam que a retirada de conteúdo só deve ocorrer com ordem judicial.

Barroso, por sua vez, propôs uma distinção de tratamento: a necessidade de ordem judicial para casos de crimes contra a honra (injúria, calúnia e difamação), e a remoção imediata mediante notificação para conteúdos relacionados a terrorismo, racismo e ataques à democracia.

Nova regra

O julgamento envolve dois recursos concretos — um movido pelo Facebook, outro pelo Google —, mas tem repercussão geral, o que significa que a decisão do Supremo servirá de orientação para mais de 300 processos suspensos nas instâncias inferiores do Judiciário.

Além da responsabilização civil, os ministros discutem em que momento as plataformas podem ser condenadas a indenizar vítimas por danos morais decorrentes de postagens ofensivas. Até agora, a maioria entende que não é necessário esperar uma decisão judicial, desde que a plataforma tenha sido notificada e se omitido.

Durante o julgamento, o ministro Alexandre de Moraes fez duras críticas às redes sociais e afirmou que as empresas não podem operar no Brasil com “um modelo de negócios agressivo” e sem obedecer às leis nacionais. Para Moraes, as plataformas devem ser responsabilizadas como qualquer meio de comunicação, quando mantêm no ar conteúdos com discursos criminosos.

O entendimento do Supremo também se conecta a um debate global sobre a regulação das big techs. A decisão poderá inspirar ou reforçar legislações semelhantes em outros países que enfrentam os efeitos deletérios da desinformação algorítmica e da monetização do discurso de ódio.

Caminho aberto para novo marco regulatório das redes

Com a decisão do STF, o Brasil avança na construção de uma jurisprudência de proteção aos direitos fundamentais no ambiente digital. Ao declarar a inconstitucionalidade total ou parcial do artigo 19, a Corte sinaliza a necessidade de um novo modelo de regulação, que responsabilize as plataformas sem abrir brechas para censura arbitrária.

A tese final, que será definida nos próximos dias, pode incluir elementos como:

  • Dever de cuidado das plataformas em relação a conteúdos ilegais;
  • Responsabilização por omissão após notificação extrajudicial;
  • Diferenciação entre conteúdo impulsionado, automatizado ou patrocinado;
  • Necessidade de ordem judicial apenas para casos de dúvida jurídica relevante.

Com o julgamento, o STF assume o protagonismo no debate sobre os limites da liberdade de expressão nas redes e aponta para uma internet mais responsável, democrática e segura.

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