“Garotos de Bem” – Uma realidade chocante e cruel

Ao assistir ao filme “Garotos de bem”, adaptado do romance homônimo de Edoardo Albinati, não pude deixar de refletir sobre essa realidade brasileira e me angustiar por tamanha crueldade

Filme "Garotos de bem" | Foto: Divulgação

Na Roma de 1975, três adolescentes, estudantes de um de um colégio católico, cometem um crime hediondo que escandaliza os demais estudantes, famílias e toda a sociedade. Filme da NetFlix dirigido por Stefano Mordini, trata de um crime horrendo, que chocou a sociedade italiana nos anos 70, o “Massacre do Circeo”(massacro del Circeo), nome dado ao sequestro, tortura, estupro e assassinato infligidos a duas jovens por três outros jovens da burguesia conservadora (sendo que um dos jovens escreveu uma redação escolar afirmando Hitler como o maior homem da História) em setembro de 1975. Essa denominação: “Massacre do Circeo” foi em função de ter ocorrido em uma cidade litorânea conhecida pelo farol Monte Circé.

Brasil 2022 – O despresidente mais uma vez choca as mulheres, as famílias e todos (as) que tem respeito pelas crianças e adolescentes, ao mencionar que “pintou um clima” ao se referir a meninas de 14 e 15 anos que, segundo ele, são venezuelanas de uma comunidade do Distrito Federal, insinuando que estariam se prostituindo para “ganhar a vida”. Na verdade, elas pertenciam a um projeto social da cidade-satélite de São Sebastião, distante cerca de 26 km de Brasília. A fala do miliciano, proferida em um podcast, é mais um ataque moral contra as meninas e mulheres. Uma violação ao Estatuto da Criança e do Adolescente – ECA, uma vez que, ao insinuar que seriam “meninas de programa”, deveria como autoridade imediatamente remeter tal situação ao Conselho Tutelar, considerando elas estarem sob proteção do ECA.

Ao assistir ao filme “Garotos de bem”, adaptado do romance homônimo de Edoardo Albinati, não pude deixar de refletir sobre essa realidade brasileira e me angustiar por tamanha crueldade, mas também lamentar profundamente pela realidade mundial e brasileira, onde crimes contra crianças e adolescentes são cotidianos, um resultado de uma sociedade patriarcal, machista e misógina. Na película, Angelo Izzo (Luca Vergoni), Andrea Ghira (Giulio Pranno) e Gianni Guido (Francesco Cavallo) são três jovens que frequentam uma renomada escola católica em Roma, de famílias com certa condição financeira, com seus problemas de relacionamento, que não diferem da realidade de muitas famílias.

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As jovens Rosaria (Federica Torchetti) e Donatella (Benedetta Porcaroli) são vitimas dos três jovens em uma casa de campo, com sessões repetidas de tortura e estupro. Uma das meninas sobreviveu às sevícias e abusos sexuais e foi através dela que dois dos jovens foram presos e sentenciados à prisão perpétua; no entanto, alguns anos depois foram soltos. Um deles conseguiu fugir.

Tenho escrito sobre essa temática a partir de filmes que infelizmente retratam fatos reais, onde se escancara o sofrimento de meninas e mulheres e revelam o complexo contexto de poder que marca as relações sociais entre os sexos com consequências gravíssimas para as mulheres, e poucos (as) sabem lidar com ela; muitos se omitem.

As cicatrizes cravadas no corpo dessas meninas, na sua sexualidade, no afeto, nas relações de trabalho e por toda a vida, são violências a que mulheres são secularmente expostas, em especial a violência sexual e, quando narrados tais acontecimentos, a impressão é de rompimento, não só com o silêncio, mas também com a cumplicidade que a sociedade e o Estado têm tido ao longo da história com os agressores.

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Infelizmente, neste momento de nossa conjuntura, com um governo federal que não só corta recursos para enfrentamento às violências, desvia-os para outros fins e ainda as estimula com seu discurso misógino e ultraconservador contra as mulheres, tem insistentemente reduzido políticas públicas para mulheres, que norteariam, por exemplo, programas de ajuda a vítimas de violência doméstica. Segundo o IPEA (Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada), com Jair Bolsonaro (PL) como presidente e a então Ministra da área, Damares Alves, “instituiu-se um movimento de desmonte” das políticas para a população feminina.

Na Italia, uma representante da extrema-direita foi eleita e assumirá, como primeira ministra, Giorgia Meloni, trazendo de volta ao cenário político figuras reacionárias como Berlusconi.

Muita luta pela frente em nosso país para que possamos garantir que politicas públicas possam proteger crianças e adolescentes, para que possam incrementar os instrumentos de apoio e proteção como os Conselhos Tutelares. É preciso enterrar essa politica ultraneoliberal e genocida, que ataca fortemente a democracia, destrói o Estado, incita a violência em um país de estrutura patriarcal como o Brasil. Vamos reconquistar a democracia, a esperança e o respeito à vida das crianças, das mulheres e de nosso povo com o fim desse governo cruel, misógino e bárbaro.

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