Governo Lula ignora “afetações de Zelensky” e mantém defesa da paz

Após chineses, africanos e até aliados, o presidente ucraniano se volta contra Lula, “porque ele precisa desqualificar seus argumentos e isolá-lo”, diz a especialista Ana Prestes.

Brasília (DF) 26/06/2023 - O assessor especial da presidência, Celso Amorim, com Lula. Foto: Fábio Rodrigues-Pozzebom/ Agência Brasil

O presidente ucraniano Volodimir Zelensky está irritado, porque o presidente Luis Inácio Lula da Silva contradiz sua tentativa de emplacar uma narrativa russofóbica sustentada pelos Estados Unidos, a União Europeia e a OTAN, a aliança militar deste grupo de países. Esta é a explicação para os ataques que Zelensky fez no último domingo (6), na opinião da socióloga e especialista em Relações Internacionais, Ana Prestes. 

O líder da guerra na Ucrânia aproveitou uma entrevista com jornalistas latino-americanos para expressar sua irritação com as tentativas do presidente brasileiro de colocá-lo na mesma mesa com o presidente russo Vladimir Putin para uma negociação de paz.

Ele sugeriu, neste domingo (6), que Lula tem uma visão restrita do mundo e alegou não entender a posição de Lula sobre a necessidade de chegar a um acordo que beneficie ambos os países. “Essas são algumas afirmações que não trazem paz de forma alguma”, disse Zelensky, sem ser irônico.

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A analista política pondera que ele precisa desqualificar os argumentos do presidente Lula e isolá-lo. “Ele tenta associar a imagem de Lula à de Putin, ao dizer que Lula atrapalha o processo de paz e defende as posições russas. O que não é verdade, mas é fácil de ser vendido na Europa principalmente”, diz ela. 

Embora parte do mundo esteja exausto dessa guerra, por seus efeitos globais, esse desabafo de Zelensky revela que estamos longe de um acordo, na opinião da analista política. 

“A não ser que esteja havendo alguma negociação ultra-secreta entre as principais potências envolvidas nessa guerra, que é uma guerra por procuração, o cenário é de uma guerra que ainda será prolongada”, diz ela, citando como exemplo deste cenário apático a cúpula que ocorreu na Arábia Saudita, no último final de semana, com a participação de 42 países, e com a Rússia excluída. “Isso está mais próximo de ser uma grande plenária, uma assembleia, mas não uma construção pra valer de uma negociação pela paz na Ucrânia e no leste europeu”, lamentou. 

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Popularidade de Lula

A alfinetada do ucraniano acabou saindo devido à popularidade e influência de Lula, que viaja pelo mundo defendendo sua posição sobre a guerra. Ana Prestes observa que o presidente Lula possui muito prestígio internacional, é presidente de um grande país da América Latina e tem conseguido trazer uma abordagem de pacificação com busca de negociação. 

A exemplo disso, ela lembra que a Cúpula UE/CELAC (líderes europeus e latino-americanos e caribenhos) não recebeu Zelensky e não emitiu declaração unilateral de apoio à Ucrânia. “Muito por conta da liderança de Lula junto a outros líderes da América Latina. Lula também representa o Brasil no bloco BRICS que está ganhando cada vez maior influência no cenário geopolítico internacional”, acrescentou a analista.

Para Ana, de certa forma, isso afeta a imagem de Lula, principalmente entre as nações com maior presença da russofobia, como o Reino Unido e outros países europeus.

Na opinião dela, Zelensky quer isolar Lula e todos os que buscam uma abordagem que realmente aposta nas negociações. “Quando, na verdade, o que o presidente Lula defende é que as demandas das duas partes sejam levadas em consideração para que as negociações possam ser efetivas”, explicou.

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Na quarta-feira, em café da manhã com correspondentes estrangeiros, em Brasília, Lula disse que só vê Zelensky e Putin querendo ganhar um do outro, enquanto civis e militares morrem. Seu assessor especial para Assuntos Internacionais, Celso Amorim, disse, no mesmo evento com jornalistas estrangeiros, que as preocupações de segurança da Rússia não podem ser deixadas de lado nas discussões sobre qualquer acordo de paz, pois também são legítimas.

O líder ucraniano comentou as declarações considerando “estranho” falar sobre a segurança da Federação Russa. “Só a Rússia, Putin e Lula falam sobre a segurança da Rússia, sobre as garantias que precisam ser dadas para a segurança da Rússia”, disse. O fato de haver mais gente neutra do que alinhada com a posição de Zelensky desmente essa declaração. É exatamente o sentimento ecoado entre lideranças de vários países latino-americanos, africanos e asiáticos que tem incomodado Zelensky.

Busca de apoio

As declarações hostis de Zelensky parecem querer constranger e pressionar o governo brasileiro em sua influência no Continente. O presidente da Ucrânia faz esforços para realizar uma cúpula de países latino-americanos, com apoio de Lula, a fim de pedir apoio financeiro e militar.

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Querer envolver a América do Sul numa guerra também parece ser uma iniciativa fora da realidade. O Sul Global tem demonstrado sua impaciência com o desgaste econômico que o conflito causa na cadeia produtiva internacional, dificultando a saída da crise econômica. 

Ana avalia que, na América do Sul, hoje, somente dois presidentes podem corroborar com mais força as teses de Zelensky: Lacalle Pou, do Uruguai, e Gabriel Borich, do Chile. “Isso foi demonstrado na Cúpula Sulamericana e na Cúpula CELAC – UE. Outros países como Peru e Equador, até poderiam também, mas estão muito voltados para seus processos internos de instabilidade em seus governos”, menciona ela.

Reafirmação de posição

O Palácio do Planalto, no entanto, apenas reafirma sua posição em relação à guerra entre Rússia e Ucrânia. Mesmo com a imprensa repercutindo a declaração, o Brasil mantém a postura de insistir num ambiente de pacificação que envolva ambos os lados.

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“O Itamaraty e o assessor especial Celso Amorim, sabiamente, não dão muita atenção a essas afetações do Zelensky e continuam executando com responsabilidade a política internacional de defesa da paz determinada pelo Presidente Lula”, pondera a socióloga.

No momento em que Zelensky fazia sua declaração, no domingo, o assessor especial da Presidência do Brasil para assuntos internacionais, Celso Amorim, participava de uma reunião patrocinada pela Arábia Saudita, com cerca de 40 países, para discutir possibilidades de uma saída política para a crise entre Moscou e Kiev.

“Embora a Ucrânia seja a maior vítima, se realmente quisermos a paz, temos que envolver Moscou neste processo de alguma forma”, reafirmou o assessor de Lula, durante a videoconferência que contou com a participação da China, mas não da Rússia.

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Antidiplomacia útil

Lula não é o primeiro atingido pelos ataques antidiplomáticos do ucraniano, que já gerou irritação até em aliados, exigindo mais ajuda militar do que fornecem. Para Ana Prestes, esta posição mais agressiva é uma estratégia discursiva adotada para a batalha que se dá no campo da comunicação e de formação da opinião pública em torno da aposta na guerra. Conforme ela, é assim que ele busca maiores investimentos militares em forma de recursos humanos e material bélico enviados para a Ucrânia.

Suas declarações contra líderes estrangeiros têm sido toleradas por seu país estar devastado por uma guerra. Mas Zelensky já causou constrangimento ao ministro da Defesa britânico, Ben Wallace, dizendo que ele deveria demonstrar gratidão por poder ajudar. O britânico, por sua vez, disse que se sentia como a Amazon (loja) cada vez que recebia uma lista de armas de Zelensky. 

Antes disso, o presidente ucraniano fez um ataque à OTAN, anunciando que a aliança estava fornecendo à Ucrânia quantidades insuficientes de armas. Em seguida, o chefe do regime de Kiev criticou as autoridades polonesas por terem chamado o embaixador ucraniano no Ministério das Relações Exteriores deste país. Agora, sua irritabilidade chegou ao presidente do Brasil.

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“Ele se irrita com qualquer liderança que exponha suas colocações e atitudes em contradição. Já se irritou com os chineses, com africanos”, disse.

É importante entender que, num dos momentos mais importantes da história da Ucrânia, ela conta com um líder que chegou ao poder com ajuda dos EUA, após um golpe em 2014, em que o ex-presidente Viktor Yanukovych, aliado do russo Putin foi derrubado. Antes disso, ele era apenas ator de uma série de TV, em que se tornava presidente da Ucrânia por acaso.

De lá pra cá, apoiou iniciativas da OTAN e dos EUA para cercar a Rússia com bases militares e incentivou uma política de discriminação dos russos que moram em áreas de fronteira da Ucrânia. Milícias nazistas passaram a hostilizar esses russos do leste, que agora está ocupado pela invasão armada.

As ameaças de ampliar o cerco de bases da OTAN às fronteiras russas foram o estopim para a invasão, já que a Rússia entende esse cerco como hostilidade e ameaça de invasão a seu país. Embora Putin acreditasse que fosse resolver rapidamente o impasse com seu poderio bélico, a OTAN apoiou a aventura ucraniana e deu a largada ao conflito que já dura um ano e meio.

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