Israel proíbe vistos para a ONU e pede demissão de Guterres, após discurso

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, criticou indiretamente Israel por ordenar a evacuação de civis do norte para o sul da Faixa de Gaza e tem sofrido ataques incomuns para uma liderança da ONU. 

Guterres na fronteira de Rafah

Israel recusará vistos a funcionários das Nações Unidas, disse o seu embaixador na ONU, à medida que a disputa do país com a organização internacional se aprofunda.

Gilad Erdan fez a declaração nesta quarta-feira (25), de acordo com a mídia israelense, enquanto continuam as consequências do discurso do chefe da ONU no Conselho de Segurança no dia anterior. O enviado de Israel à ONU, ainda pediu a demissão do secretário-geral, dizendo que Israel deve repensar as suas relações com o organismo mundial.

O secretário-geral da ONU, Antonio Guterres, criticou indiretamente Israel por ordenar a evacuação de civis do norte para o sul da Faixa de Gaza e tem sofrido ataques incomuns para uma liderança da ONU. 

Guterres disse que é importante reconhecer que os ataques do Hamas “não aconteceram no vácuo”. “O povo palestino foi submetido a 56 anos de ocupação sufocante”, disse ele aos membros do Conselho de Segurança da ONU.

“Eles viram as suas terras serem continuamente devoradas por colonatos, assoladas pela violência, a sua economia sufocada, as suas pessoas deslocadas e as suas casas demolidas. As suas esperanças de uma solução política para a sua situação têm vindo a desaparecer.”

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Muitos países consideraram a abordagem de Guterres equilibrada. No entanto, Israel ficou furioso e os seus representantes apelaram à demissão do chefe da ONU, o que vem sendo ecoada por outras forças políticas de extrema-direita pelo mundo.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Eli Cohen, que esteve no debate, ficou tão irritado, que cancelou uma reunião com o secretário-geral que deveria acontecer na tarde de terça-feira.

Eli Cohen denunciou o chefe da ONU, Guterres, pelas suas críticas às políticas de guerra de Israel em Gaza. “Senhor secretário-geral, em que mundo você vive?” Cohen disse a Guterres durante uma sessão do Conselho de Segurança da ONU, enquanto recontava detalhes explícitos dos ataques do Hamas a civis dentro de Israel.

“Devido às suas observações [de Guterres], recusaremos a emissão de vistos para representantes da ONU”, disse Erdan à Rádio do Exército. “Já recusamos um visto ao subsecretário-geral para Assuntos Humanitários, Martin Griffiths. Chegou a hora de lhes ensinar uma lição.”

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Erdan disse no X, antigo Twitter, que o chefe da ONU “expressou compreensão pelo terrorismo e assassinato” com este discurso.

Mais tarde, Guterres publicou um trecho do seu discurso no X, numa aparente tentativa de mostrar que criticou tanto o Hamas como Israel pela crise em Gaza.

“As queixas do povo palestino não podem justificar os horríveis ataques do Hamas. Esses ataques horrendos não podem justificar a punição coletiva do povo palestino”, escreveu ele.

“Num momento crucial como este, é vital ter princípios claros, começando pelo princípio fundamental de respeitar e proteger os civis.”

O ministro das Relações Exteriores palestino, Riyad al-Maliki, discursou no Conselho de Segurança da ONU, em Nova York. Ele diz que a inação do corpo é “inescusável”.

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“Cada família em Gaza é uma família enlutada. Ninguém é poupado, ninguém está seguro. Onde está a solidariedade com eles? Onde está a empatia para com eles? Onde está a indignação pela morte deles?”

“Os massacres em curso perpetrados de forma deliberada, sistemática e selvagem por Israel – a potência ocupante contra a população civil palestina sob ocupação ilegal – devem ser interrompidos.

“É nosso dever humano coletivo detê-los.”

O Ministério dos Negócios Estrangeiros palestino condenou o apelo de Israel à demissão do secretário-geral da ONU, descrevendo-o como um “ataque não provocado”.

Numa publicação no X, o ministério palestino descreveu a posição de Israel como uma “extensão” do seu “desrespeito e falta de compromisso” para com a ONU, a sua carta e as resoluções relativas à Palestina.

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Genocídio em Gaza

Os combatentes do Hamas invadiram Israel em 7 de outubro e atacaram principalmente alvos civis, incluindo famílias em um festival de música. Já mataram 1.400 pessoas e fizeram mais de 220 prisioneiros, segundo autoridades israelenses.

Cerca de 6.546 palestinos, também a maioria civis, foram mortos em toda a Faixa de Gaza em bombardeios retaliatórios israelenses, disse o Ministério da Saúde do território. O governo palestino mencionou 2.704 crianças mortas e 17.439 pessoas feridas desde o início dos combates.

Guterres, que na semana passada viajou para a passagem de Rafah numa tentativa de obter assistência através da fronteira entre o Egito e Gaza, no seu discurso também saudou a entrada de três comboios de ajuda até agora. No entanto, Guterres disse que eram uma “gota de ajuda num oceano de necessidade”. “Além disso, os nossos abastecimentos de combustível da ONU em Gaza acabarão numa questão de dias. Isso seria outro desastre”, alertou o chefe da ONU.

A Agência das Nações Unidas para os Refugiados Palestinos (UNRWA) alertou que seria forçada a parar de trabalhar na quarta-feira devido à falta de combustível.

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“Para aliviar o sofrimento épico, tornar a entrega de ajuda mais fácil e segura e facilitar a libertação de reféns reitero o meu apelo a um cessar-fogo humanitário imediato”, disse Guterres.

Guterres apelou a um cessar-fogo humanitário imediato em Gaza, acrescentando que há “violações claras” do direito humanitário internacional no enclave sitiado.

Guterres também pressionou para que muito mais ajuda humanitária fosse permitida em Gaza. “Nossos suprimentos de combustível da ONU em Gaza acabarão em questão de dias. Isso seria outro desastre. Para aliviar o sofrimento épico, tornar a entrega de ajuda mais fácil e segura e facilitar a libertação de reféns, reitero o meu apelo a um cessar-fogo humanitário imediato.”

“Deixe-me ser claro: nenhuma parte num conflito armado está acima do direito humanitário internacional”, disse durante a sessão do Conselho de Segurança da ONU.

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Impasse do Conselho de Segurança

Apoiado pelos Estados Unidos, Israel rejeitou os apelos para interromper a ofensiva, dizendo que isso apenas permitiria o reagrupamento do Hamas.

Os EUA vetaram na semana passada um projeto de resolução sobre a crise, dizendo que não apoiavam suficientemente o direito de Israel de responder ao Hamas.

O secretário de Estado Antony Blinken pediu ao Conselho de Segurança que apoiasse uma nova resolução liderada pelos EUA que “incorpore feedback substantivo”.

O projeto, ao qual a agência de notícias AFP teve acesso, defenderia o “direito inerente de todos os Estados” à autodefesa, ao mesmo tempo que apelaria ao cumprimento do direito internacional. Apoiaria “pausas humanitárias” para permitir a entrada de ajuda, mas não um cessar-fogo total.

“Nenhum membro deste Conselho – nenhuma nação em todo este órgão – poderia ou iria tolerar o massacre do seu povo”, disse Blinken.

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A Rússia, com poder de veto – acostumada a ser alvo de críticas no Conselho de Segurança por causa da sua invasão da Ucrânia – rapidamente disse que se oporia ao projeto dos EUA. Até o Egito, aliado regional dos EUA, criticou o documento:

“Estamos surpresos com novas tentativas de adotar uma resolução que não inclua qualquer pedido de cessar-fogo para evitar uma maior deterioração da situação que possa levar a região a uma conjuntura perigosa”, disse o ministro das Relações Exteriores, Sameh Shoukry.

O ministro dos Negócios Estrangeiros, Riyad al-Maliki, da Autoridade Palestina, rival do Hamas, classificou a inação do Conselho de Segurança como “imperdoável”, tal como a Jordânia, outro parceiro dos EUA.

“O Conselho de Segurança deve tomar uma posição clara para tranquilizar dois mil milhões de árabes e muçulmanos de que o direito internacional será aplicado”, disse o ministro dos Negócios Estrangeiros da Jordânia, Ayman Safadi.

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A Jordânia e a Rússia estão entre as nações que solicitaram uma reunião nesta quinta-feira da Assembleia Geral da ONU, cujas resoluções não são vinculativas, devido ao impasse do Conselho de Segurança.

Outra manifestação inequívoca da ONU contra Israel veio da Conferência das Nações Unidas sobre Comércio e Desenvolvimento (UNCTAD), que afirma que a Faixa de Gaza suportou 16 anos de “desdesenvolvimento”.

O desdesenvolvimento é um processo pelo qual o desenvolvimento não é apenas dificultado, mas revertido.

Gaza, que está sob um bloqueio aéreo, terrestre e marítimo paralisante desde 2007, enfrentava “o potencial humano reprimido e o direito ao desenvolvimento”, de acordo com o relatório anual da UNCTAD.

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Fome como arma de guerra

A Oxfam (Oxford Committee for Famine Reliefe/Comitê de Oxford para o Alívio da Fome), é outra organização internacional de prestígio que criticou Israel ao descrever a situação em Gaza como “horrível”, com milhões de pessoas sendo “punidas coletivamente à vista do mundo”.

“Não pode haver justificativa para usar a fome como arma de guerra. Os líderes mundiais não podem continuar a ficar sentados e a observar, eles têm a obrigação de agir”, afirmou a instituição de caridade sediada no Reino Unido num comunicado.

Observou que, ao abrigo do direito humanitário internacional, é estritamente proibido usar a fome como “método de guerra”.

“Como potência ocupante em Gaza, Israel está vinculado a obrigações [legais] de satisfazer as necessidades e proteger a população de Gaza.”

Israel impôs um “bloqueio total” à Faixa e esgotou os seus abastecimentos de alimentos, água e combustível.

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Israel classificou o diesel como um bem de “dupla utilização” que pode ser usado tanto para fins militares como civis. Portanto, é fortemente controlado ou restrito.

No entanto, Israel dispõe de mecanismos para permitir que o combustível seja entregue a Gaza apenas para uso civil.

Das Agências Internacionais

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